Folha de S. Paulo


Deficiências de quem ganha e virtudes de quem perde são esquecidas

No futebol, é proibido elogiar quem perde e criticar quem ganha. As deficiências e erros de quem ganha e as virtudes e acertos de quem perde são esquecidos. Outro hábito é rotular os profissionais e as pessoas de competentes ou incompetentes, boas ou más, progressistas ou conservadoras, alegres ou tristes, otimistas ou pessimistas.

Se Dunga tivesse, na primeira convocação, chamado Paulinho, Taison, Giuliano e o próprio filho para a comissão técnica, seria massacrado. Cada dia é mais frequente, em todos os esportes e em inúmeras outras atividades, a presença de parentes muito próximos, nas equipes ou nas comissões técnicas. Cada caso deveria ser analisado separadamente. Seria injusto se Bernardinho, por excesso de zelo, não convocasse o filho Bruninho, um baita jogador, para a seleção de vôlei.

Após as críticas à primeira convocação de Tite, a maioria assimilou e aprovou, sem motivos. É proibido criticar Tite, ainda mais após duas vitórias. O técnico evoluiu na segunda convocação. Gostei dos nomes de Firmino, Fernandinho e Oscar, além dos retornos de Thiago Silva e Douglas Costa. A presença de Muralha mostra que há um grande número de bons goleiros do mesmo nível, nenhum excepcional. Não chamaria Paulinho, Giuliano nem Fágner, nomes de confiança do técnico.

Tenho muita admiração por Guardiola, um técnico inventivo e que já virou sinônimo de competência. É aplaudido de pé até por seus erros. No Bayern, Guardiola escalou os excepcionais laterais Lahm e Alaba em posições diferentes, onde já havia outros ótimos jogadores. Pior, teve de colocar em suas antigas funções jogadores modestos para o nível do Bayern.

Nas eliminações do Bayern nas últimas Copas dos Campeões, para Real Madrid e Barcelona, Guardiola armou a equipe como se enfrentasse um time pequeno da Alemanha, com os zagueiros adiantados, contra os magistrais e velozes atacantes do Real e do Barça.

Em outra coluna, fiz uma crítica construtiva a Cuca, por usar ainda a marcação individual, uma estratégia já abandonada em todo o mundo, e ao jovem e brilhante Gabriel Jesus, por procurar o duelo físico com o marcador. É proibido criticar quem tem muita qualidade, como se Gabriel Jesus já fosse um Neymar, o Palmeiras, um timaço, e Cuca, um Guardiola ou um Ancelotti.

A suspensão de Gabriel Jesus, por ter levado três cartões amarelos, e a bizarra simulação contra o Flamengo têm a ver com sua busca do confronto físico.

Contra o Palmeiras, quando o Flamengo ficou com dez, e o técnico Zé Ricardo tirou Diego, a maioria achou absurdo, como se Diego fosse um supercraque e não pudesse ser substituído. Se o Flamengo tivesse perdido, por milhões de outros motivos, o que seria lógico, por estar com um a menos, colocariam a culpa no técnico, que agiu corretamente, pois manteve a formação defensiva.

Após a Copa das Confederações, era proibido criticar Felipão. Elogiaram até a convocação do zagueiro Henrique para o Mundial, por ser de confiança do técnico, e a escalação de Bernard contra a Alemanha.

No Brasil, quem tem senso crítico, quem não analisa futebol somente pelos resultados, quem não é fanático por nenhuma ideologia e quem tenta ser um observador neutro é visto como pessimista, como mal humorado ou como quem fica em cima do muro.


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