Folha de S. Paulo


O meio, o fim e a excelência

A França, por ter um time superior, por jogar em casa e pela Marselhesa, é a favorita, mas não será uma grande surpresa se Portugal conquistar a Eurocopa, por ter Cristiano Ronaldo e um sólido sistema defensivo. Cristiano Ronaldo é o maior finalizador do mundo. No gol contra País de Gales, levitou, parou no ar, como Dadá Maravilha, o beija-flor e o helicóptero.

A Alemanha, desfalcada, dominou o jogo, mas perdeu para a França, por falta de um grande atacante e por erros individuais –alemão também falha–, um do experiente Schweinsteiger, à la Thiago Silva, e o outro do jovem lateral-direito Kimmich. Pelo jeito, a poderosa chanceler Angela Merkel vai pedir ao excepcional Lahm que retorne à seleção. Ele continua em forma.

Não houve nada surpreendente na Eurocopa. As estratégias usadas são as mesmas há mais de dez anos, que, apenas recentemente, lentamente começaram a ser adotadas no futebol brasileiro, como alternar a marcação mais recuada e a por pressão, diminuir os espaços entre os setores e a distância entre o jogador mais atrás e o mais à frente, priorizar a troca de passes, ter meio-campistas e jogadores pelos lados que atuem de uma área à outra e vários outros detalhes.

As seleções são cada vez mais parecidas na maneira de jogar. A América, pouco a pouco, segue o mesmo modelo, globalizado e pasteurizado. A diferença está na qualidade e nas características dos jogadores. Será que no futuro os atletas serão também quase iguais? Faltaram na Eurocopa treinadores como Guardiola, Bielsa e Sampaoli, cujas equipes atuam durante quase todo o tempo pressionando e em um ritmo alucinante, frenético.

É cada dia mais evidente a importância da estratégia e, consequentemente, dos treinadores. No entanto, há sempre o outro lado, analisar o futebol somente pelos resultados, estatísticas e estratégias dos técnicos, o que é cada dia mais frequente, é uma simplificação da complexidade e das inúmeras possibilidades que existem em uma partida.

Treinador ajuda a ganhar e a perder. O bom técnico Bauza teve uma noite infeliz. Quando Maicon foi expulso (devia ter levado cartão amarelo), Bauza, com a alegação de que queria ganhar mesmo com dez, quando o time colombiano já era superior no 11 contra 11, colocou seu melhor atacante, Michel Bastos, de lateral, improvisou Mena de zagueiro e substituiu João Schmidt, que jogava muito bem e é uma das grandes promessas do futebol brasileiro. Bauza, obcecado pela ordem, criou uma desordem, no ataque e na defesa, o que facilitou para o bom time colombiano.

As trocas de passes do Atlético Nacional nos dois gols foram excepcionais, principalmente no segundo, quando todos os jogadores tocaram na bola, desde o goleiro, como bem mostraram, o que é habitual, os analistas táticos da ESPN Brasil, com a ajuda da tecnologia.

A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, em uma de suas belas crônicas na Folha, explicou, com detalhes técnicos, como a repetição, a sequência de redes neuronais, que se tornam automáticas, ajuda o cérebro a criar e a interpretar. Diz ela, "a repetição é o meio para atingir um fim: transcender a repetição". O mesmo ocorre no futebol. A repetição, individual e coletiva, ajuda os atletas e os times a criar e a atingir a excelência.


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