Folha de S. Paulo


Ficção e realidade

Caminho, com frequência, de onde moro até o bairro Savassi, em Belo Horizonte. Passo em frente à estátua de bronze do escritor Roberto Drummond. No mesmo local ou próximo, nos encontrávamos e batíamos bons papos, sobre futebol, literatura e sobre a vida. Roberto, fanático atleticano, era um visionário, fantasioso, delirante e um grande ficcionista.

Roberto dizia que o jogo de futebol deveria ser uma mistura de planejamento, criatividade e anarquia. Ele iria gostar de Guardiola. Nesta semana, depois de uma conversa imaginária com Roberto, lembrei-me das palavras de Daniel Alves, de que Guardiola era louco para dirigir a seleção brasileira e que tinha até o time escalado. Passei a divagar e fantasiar o que ele faria.

Por ter visto quase todos os jogos do Barcelona e do Bayern com Guardiola, imagino que ele aproveitaria bastante as qualidades ofensivas de Daniel Alves e de Marcelo, como faz com Lahm e Alaba. Como o Bayern atua com pontas abertos, os laterais avançam como meias. Tornam-se jogadores de meio-campo.

Guardiola, às vezes, escala três zagueiros quando quer o time mais no ataque, ao contrário do que faz a maioria dos treinadores. São três atrás e sete na frente. Na linha de três defensores, costuma colocar dois laterais que marcam e avançam quando o time recupera a bola. Filipe Luís poderia fazer isso bem. Até o zagueiro central é, algumas vezes, um volante (Xabi Alonso). Casemiro, do Real Madrid, sabe atuar de volante e de zagueiro, como contra o Barcelona.

Thiago Silva, certamente, seria titular absoluto, porque marca muito bem e tem um ótimo passe, o que agradaria muito Guardiola. Marcelo, com frequência, seria escalado no meio-campo, seja como um meia aberto ou próximo ao volante, pela esquerda.

Neymar atuaria da esquerda para o centro, como faz no Barcelona, ou formaria dupla com um centroavante. Nunca Guardiola iria escalá-lo como o atacante mais adiantado pelo centro, como Neymar tem jogado com Dunga.

Nos times dirigidos por Guardiola, não há divisão entre volantes e meias de ligação, pois a equipe pressiona e os jogadores estão sempre próximos. Todos são meio-campistas, que marcam e atacam. Guardiola, detalhista e obsessivo, veria os teipes de todos os jogos de Ganso no último ano e não entenderia porque ele não está na seleção.

Guardiola sentiria muita falta de um centroavante com as qualidades de Lewandowski, de um armador brilhante, como Thiago Alcântara e de um goleiro como Neuer, que faz a cobertura dos zagueiros adiantados.

Guardiola é o mais inovador e brilhante técnico do mundo. Porém, às vezes, exagera e erra nas mudanças táticas e no posicionamento dos jogadores. Talvez não tivesse sucesso na seleção, por causa da falta de tempo para treinar e dos vícios acumulados durante muito tempo, em todos os setores. Mas, certamente, provocaria um grande ruído, uma ruptura, na mesmice, nas picuinhas e nos conceitos ultrapassados. Isso é o que o futebol brasileiro mais precisa, de ruptura, dentro e fora de campo.

Ter Guardiola é uma ficção. A realidade é outra, Dunga e a CBF.


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