Folha de S. Paulo


Ser ou não ser

Neste momento de tristeza, tragédia, apocalítico, de terrorismo, de rompimento das barragens em Mariana, da morte do Rio Doce e de tantas pessoas, é difícil ver beleza no futebol.

O futebol brasileiro está em fase de adaptação e de descoberta de uma nova maneira de jogar. O nível técnico do Brasileirão, na média, é tão fraco, que o São Paulo, mesmo fazendo tudo errado, está em quarto lugar. O Corinthians está muito à frente dos outros, embora, hoje, corra risco, contra um São Paulo sedento por uma vaga na Libertadores.

Dos sete pontos conquistados pelo Brasil, nas Eliminatórias, seis foram em casa e contra duas das três mais fracas seleções. É cedo para otimismo e para pessimismo.

Os conceitos mudam a cada jogo. Após a derrota para o Chile, parecia que o Brasil era o péssimo dos péssimos. Depois de vencer a fraca Venezuela, surgiram os otimistas, e Ricardo Oliveira passou a ser a solução. Com a má atuação contra a Argentina, Ricardo Oliveira não servia mais, e David Luiz foi descartado. Agora, depois da vitória sobre o Peru, a bola da vez é Renato Augusto. Lucas Lima já era. A zaga passou a ser Gil e Miranda.

Há motivos animadores, sem euforia. Dunga teve um lampejo, um descuido, e percebeu que é melhor jogar com dois pontas abertos e dribladores, como sugeriu Guardiola, e que, seguindo o modelo do Corinthians e de outras equipes, funciona melhor com três no meio-de-campo, um volante e um armador de cada lado, que defende e ataca, do que atuar com dois volantes marcadores e em linha, além de um meia ofensivo.

Por outro lado, contra o Peru, Neymar parecia desconfortável pelo centro. Quando ia para a esquerda receber a bola, o lugar já estava ocupado. O craque tem a preferência. Deve jogar onde se sente melhor. Uma das soluções é a troca mais frequente de posições, durante as partidas, entre Neymar, Douglas Costa e Willian.

Douglas Costa e Willian, um em cada tempo, deram um baile no medíocre lateral esquerdo do Peru.

Os dois, por serem velozes e ótimos dribladores, vão brilhar intensamente sempre que enfrentarem defesas fracas e com muitos espaços. Independentemente disso, são superiores aos que jogaram pelas pontas na Copa (Hulk, Oscar e Bernard). É um avanço.

Daniel Alves se queixou de críticas de ex-atletas. Não deu nomes. Os jogadores aceitam muito melhor a mesma crítica feita por um jornalista comentarista do que quando feita por um ex-atleta comentarista. Acham que o ex-jogador, por conhecer as dificuldades de um jogo, deveria ser mais condescendente, corporativista. Confundem o passado com o presente.

Muitos ex-atletas vestem a carapuça e pedem até desculpas para fazer uma crítica.

Rivaldo, um dos maiores da história do futebol brasileiro, exigiu, para dar uma longa entrevista à Folha, quando era estrela da Seleção, que eu não participasse, chateado com uma crítica pontual, técnica, que tinha feito a ele.

Muitos ex-atletas não se dão bem como comentarista ou como treinador porque não assumem para valer, não se identificam profissionalmente, nos mínimos detalhes, com a nova atividade.

Sou, pelo menos tento ser, um colunista que foi atleta, e não um ex-atleta que escreve sobre futebol.


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