Folha de S. Paulo


Leis da ciência e do acaso

Até os 35 minutos do primeiro tempo, o Chile não era o Chile de Sampaoli e o Brasil era o Brasil de Dunga. Estavam parecidos. Havia equilíbrio. O Chile não pressionava, não tomava a bola no campo do Brasil, como faz normalmente, excessivamente preocupado em não deixar espaços para o contra-ataque.

O Brasil, quando perdia a bola, recuava, deixava apenas Hulk à frente e, quando a recuperava, não contra-atacava nem envolvia o adversário. Era um jogo burocrático, com raras chances de gol e pouca emoção.

Os mestres de Sampaoli —Bielsa e Guardiola— não estavam gostando. Sampaoli, irritado, com ele ou com os jogadores que não faziam o que ele queria, mudou tudo aos 35 minutos, instante em que, raramente, um treinador altera os jogadores e a maneira de atuar. Trocou um zagueiro por um atacante, passou a pressionar, dominar a partida e a criar chances de gol, o que continuou no segundo tempo. O Chile voltou a ser o Chile de Sampaoli.

Na segunda etapa, com o avanço do Chile, o Brasil teve espaço para contra-atacar e não aproveitou. Oscar e Hulk tiveram atuações bisonhas. Faltou também ousadia. "O que a vida quer da gente é coragem", diria João Guimarães Rosa.

Pulo para a Europa. A Alemanha, mesmo jogando bem, perdeu muitos gols e foi derrotada pela Irlanda. A Alemanha, campeã do mundo em 2014, e a Espanha, campeã das Eurocopas de 2008 e 2012 e mundial em 2010, ainda são as seleções europeias com mais probabilidade de ganhar a Euro de 2016 e o Mundial de 2018.

Quase todos os principais jogadores da Alemanha e da Espanha continuam em forma. A Espanha já tem dois ótimos substitutos para Casillas e Xavi, De Gea e Thiago Alcântara.

A eliminação da Espanha, na primeira fase da Copa de 2014, não significa o fim de uma brilhante geração, como tanto falam. A Espanha jogou mal o Mundial, mas só foi eliminada porque atuou contra duas fortes seleções, Holanda e Chile. Algo parecido ocorreu com o Brasil, em 1966, quando foi derrotado por duas excelentes equipes, Portugal e Hungria.

A geração atual da Espanha, influenciada pelo Barcelona de Guardiola, assim como as seleções inglesa de 1966, a brasileira de 1970 e a holandesa de 1974, foram revolucionárias, pela enorme contribuição que deram à maneira de jogar das equipes.

A seleção inglesa de 1966 foi a primeira a marcar com duas linhas de quatro, o que ainda é moderno.

A brasileira de 1970 mostrou que beleza, improvisação e talento individual não são incompatíveis com o jogo coletivo e a disciplina tática.

A holandesa de 1974 despertou no imaginário de todos a possibilidade da marcação por pressão e de defender e atacar em bloco, presentes no futebol atual.

As grandes equipes do mundo associam, em um mesmo jogo, a troca de passes e a posse de bola da atual geração espanhola com a intensidade e a velocidade nos contra-ataques.

A Copa de 2018 será o fim das brilhantes gerações atuais da Alemanha e da Espanha. Por melhor que sejam o planejamento e a formação de jogadores, é difícil imaginar, pela lei das probabilidades, da ciência e do acaso, que as próximas sejam tão excepcionais.


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