Folha de S. Paulo


A imodéstia absoluta

A principal razão de o Barcelona ter perdido o título da Supercopa da Espanha para o bom time do Athletic Bilbao foi a escalação de vários reservas na primeira partida (4 a 0). O elenco é fraco em relação às grandes equipes. A sorte de ter tido poucas contusões foi importante para a conquista dos muitos títulos da última temporada. Pedro, o único bom reserva no ataque, mesmo muito inferior aos três titulares, foi para o Chelsea. O elenco ficou ainda pior.

Na semana passada, a imprensa argentina lembrou os dez anos de Messi na seleção, com mais críticas que elogios, por ele não ter conquistado um título com o time principal.

Nos últimos minutos da final da Copa América, contra o Chile, Messi arrancou desde o meio-campo, com a bola colada aos pés, driblou os volantes e, quando se aproximou da área, tinha duas opções, uma correta, de passar a bola para Lavezzi, livre, pela esquerda, dentro da área, como fez, e a outra, de tentar, sozinho, completar o lance, o que deveria ter feito. Se estivesse ao lado de Neymar, no Barcelona, ou mesmo de Di Maria, que tinha sido substituído, as chances de gol seriam maiores, e todos, até hoje, falariam da genialidade de Messi.

Messi, por ser retraído e contido —tatuagens recentes podem ser desejo de mudança—, por, além de fazer gols, gostar de dar passes sensacionais e decisivos, por não ser autossuficiente, não ter a imodéstia absoluta, que Nelson Rodrigues dizia ser a maior qualidade de Pelé, joga na Argentina como no Barcelona. O que é uma virtude no time catalão, a de saber esperar o momento certo para o lance individual e decisivo, na seleção, passa a ser uma deficiência, ao confiar demais no jogo coletivo, em tocar para Lavezzi, em vez de tentar fazer o gol.

Neymar, por ser mais atrevido, descontraído, e a seleção brasileira depender muito mais dele que a argentina de Messi, tenta mais o lance individual, até dar certo. No Barcelona, ele aprendeu a esperar o momento de passar e de driblar.

Messi deverá ser eleito, merecidamente, pela quinta vez, o melhor do mundo, mas não é perfeito. Falta a ele transformação emocional, a possessão que tinha Pelé e outros supercraques, nos grandes jogos e nas dificuldades. Pelé parecia um animal acuado, tenso, quando não dava para fazer o que gostava e queria. Tentava outras soluções, como jogar de centroavante, o que fazia com enorme eficiência.

Dizem que a perfeição não existe. Seria Pelé, o maior de todos os tempos, uma exceção? Quando me tornei comentarista, crítico, procurei em minhas lembranças uma deficiência em Pelé. Não encontrei, apesar de ele ter sido melhor em algumas coisas que em outras. Pelé é o melhor atacante e o melhor jogador da história, mas não é um espetacular armador, como Messi.

Anos atrás, assistia a show de João Gilberto, quando ele interrompeu e disse que o som não estava bom. Houve um silêncio, até que alguém, na plateia, perguntou: "João, você acredita na perfeição"? Ele respondeu: "Não, mas a imperfeição me incomoda muito".


Endereço da página:

Links no texto: