Folha de S. Paulo


Gênios e burros

Desde que vários ingleses, em 1863, se reuniram em pub –dizem que estavam todos bêbados– e definiram as regras do jogo e as variações do tamanho de um campo, os técnicos procuram a melhor maneira de ocupar esse espaço.

Nos últimos tempos, aos poucos, os europeus adiantaram os zagueiros e encurtaram os espaços entre os setores. A distância entre o jogador mais recuado e o mais avançado costuma ser menor que a metade de um campo. A França, na Copa de 2006, jogou dessa forma, encaixotou e surpreendeu o Brasil.

Por outro lado, quando os zagueiros marcam mais à frente, sobram espaços nas costas dos defensores. Para funcionar bem, o goleiro tem de ser rápido e saber jogar fora do gol, como Victor, do Atlético-MG, tem feito; os zagueiros precisam ser velozes e inteligentes, para antever o passe e se antecipar ao atacante; e a equipe não pode deixar que o adversário troque passes no meio-campo e lance a bola nas costas dos defensores.

As equipes de Guardiola, Sampaoli e Bielsa atuam sempre com zagueiros adiantados, pressionam, ficam com a bola, comandam a partida e criam chances de gol, mesmo com os riscos de sofrer o contra-ataque. Carlos Osorio tem feito o mesmo no São Paulo, apesar dos fracos zagueiros.

Algumas equipes brasileiras passaram a jogar dessa maneira, com sucessos e fracassos. Na partida entre Atlético-MG e São Paulo, os dois times tiveram várias chances de gol, com bolas longas, nas costas dos defensores. Na goleada por 5 a 0, quando o Inter adiantou os defensores (estava 3 a 0), o técnico Roger, do Grêmio, imediatamente, colocou o veloz Fernandinho, que deitou e rolou nas bolas longas. Assim, saíram mais dois gols.

A maioria dos treinadores, de todo o mundo, alterna a marcação mais à frente com a mais recuada, para contra-atacar. Tite e Mourinho adoram fazer um gol e colocar duas linhas de quatro próximas à área. Pode ou não dar certo. Isso permite a pressão do adversário e, quando a equipe recupera a bola, está muito longe do outro gol.

A maioria das equipes brasileiras continua jogando de uma maneira ultrapassada, com enormes espaços entre a defesa e o meio-campo. Além dos problemas estratégicos, nosso futebol incorporou, durante longo tempo, conceitos, marcas, da mediocridade, como os volantes de contenção, os zagueiros rebatedores (zagueiros-zagueiros) e a tal da segunda bola, a da sobra, consequência dos chutões e da disputa pelo alto (primeira bola), que passou a ser até motivo para explicar alguns resultados.

Outra grave deficiência de nosso futebol é a troca excessiva de treinadores, que dificulta a formação de um bom conjunto. Paradoxalmente, uma das razões disso é a supervalorização dos técnicos –eles são importantes–, que se tornaram os maiores responsáveis pelas vitórias e derrotas.

As análises dos resultados e das equipes passaram a ser feitas a partir da conduta dos treinadores. Os dirigentes se iludem de que a única solução para melhorar é mudar o comando. Os técnicos são tratados como salvadores, gênios, quando contratados, e como burros, quando demitidos. Há ainda os burros com sorte e os gênios com azar.


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