Folha de S. Paulo


É difícil enxergar o óbvio

PVC mostrou que, no último fim de semana, 16 dos 20 clubes da Série A atuaram no 4-2-3-1, com quatro defensores, dois volantes, três meias e um centroavante.

Escuto, com frequência, que um dos erros do futebol brasileiro tem sido copiar esse sistema tático da Europa. Não é bem assim. Na Europa, joga-se dessa forma há mais de dez anos, enquanto no Brasil, isso começou recentemente, com o Corinthians, campeão mundial. Além disso, muitas equipes europeias atuam de várias outras maneiras.

Talvez o sistema tático ainda mais usado no mundo seja o tradicional 4-4-2, com quatro defensores, quatro no meio-campo (dois volantes e um meia de cada lado) e dois atacantes. A única diferença para o 4-2-3-1 é a troca de um atacante por um meia pelo centro. Nas duas formações, o time, quando perde a bola, marca com duas linhas de quatro.

Barcelona, Real Madrid e Bayern, as três melhores equipes do mundo, e várias outras da Europa atuam diferente, com uma linha de três no meio e outro de três no ataque (4-3-3). A Alemanha, na Copa, tinha três no meio e mais dois pelos lados, que voltavam para marcar. O time defendia com cinco no meio-campo e atacava com cinco.

As duas derrotas do futebol brasileiro nesta semana, do Inter para o Tigres e da seleção do Pan para o Uruguai, além das da seleção sub-20 na final do Copa do Mundo, do time principal para o Paraguai na Copa América e dos 10 a 1 no Mundial, para Alemanha e Holanda, sugerem que o problema não é só técnico e tático, mas também de incapacidade emocional nas decisões, por causa da pressão e da responsabilidade de defender a magistral história de nosso futebol.

Por causa de tantos fracassos, Sidney Garambone questionou, no Redação Sportv, se a tão falada mística da camisa amarela existe ou se os times brasileiros venciam somente por suas qualidades técnicas, vantagem que não há mais. A mística seria um mito, uma ilusão?

Um dos retratos da queda do futebol brasileiro são as longas discussões, nos programas esportivos, nos botequins e entre dirigentes e treinadores, sobre o clássico meia de ligação, o camisa 10, desejado por todos os times. Nenhuma das maiores equipes do mundo possui esse tipo de jogador. O futebol mudou, e as pessoas ainda não enxergaram o óbvio.

De vez em quando, me citam como um defensor da escalação de Ganso como segundo volante. Nunca disse isso. Falei que, se ele tivesse sido formado nas categorias de base da Alemanha ou da Espanha, onde existem excepcionais meio-campistas, que atuam de uma área à outra, Ganso poderia ter sido um deles, um destaque mundial.

Ainda há tempo? Provavelmente, não, por causa dos vícios acumulados, de sua falta de mobilidade e porque, no Brasil, os técnicos ainda dividem o meio-campo entre os volantes que marcam e os meias que atacam. Desapareceram os grandes armadores, organizadores. Faço essa crítica há 20 anos.

Noto que os torcedores do São Paulo e de todo o Brasil se cansaram de Ganso. Pior, ele, irritado, querendo jogar nos Estados Unidos, deve também ter se cansado de si mesmo.


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