Folha de S. Paulo


As muitas lógicas do futebol

No Brasileirão, tenho visto alguns ótimos jogos, como Atlético-MG x Sport, com muita troca de passes, com times compactos e organizados coletivamente, e também muitas partidas bastante fracas, como Fluminense x Cruzeiro, com excesso de chutões e erros bisonhos de passes.

Uma das razões dessa diferença é o fato de os técnicos de Atlético-MG e Sport comandarem há mais tempo seus times. Por outro lado, a falta de tempo não pode ser a única justificativa para atuações tão ruins.

Por causa de grandes craques da história, que executavam belíssimas jogadas individuais, e do enorme desenvolvimento da tecnologia e da comunicação, criou-se, nos últimos tempos, uma cultura esportiva de supervalorizar os lances individuais e isolados, os melhores momentos, as imagens, que são mostradas e discutidas milhões de vezes nos programas esportivos, em todos os ângulos, como se fossem uma síntese da partida. Pouco se fala do jogo coletivo.

Muitos comentaristas acham que todos os lances isolados ou um gol têm uma explicação técnica, com movimentos planejados. Não é bem assim. As decisões, no instante do lance, costumam ser circunstanciais, intuitivas, decididas no momento. Isso é muito diferente do jogo estruturado, coletivo, de uma área à outra.

Na Copa do Mundo de 1970, o cineasta Pasolini escreveu que a poesia brasileira, dos lances individuais, inventados e surpreendentes, derrotou a prosa italiana, do jogo coletivo, lógico, estruturado, com um meio e um fim. Não foi bem assim. Foi uma vitória da poesia e da prosa brasileiras, da forma e do conteúdo, da invenção e da razão. O futebol tem lógica, porém, as lógicas são muitas.

O Brasil não teve prosa nem poesia no Mundial e na Copa América. A Argentina, no Mundial, teve uma prosa melhor que na Copa América. O Chile se destacou, na Copa América, muito mais pela prosa. A Alemanha, no Mundial, deu uma aula de prosa e de poesia.

Luxemburgo, mais de uma vez, falou que não viu nada de novo na Copa América, nem no Mundial, e que a Alemanha foi elogiada por jogar com três volantes, enquanto os técnicos brasileiros são criticados quando fazem o mesmo.

Luxemburgo trocou as bolas. Os volantes, ou melhor, os meio-campistas da Alemanha eram Khedira e os excepcionais Kroos e Schweinsteiger, que jogavam de uma intermediária à outra. Khedira fez um, e Kroos, dois, nos 7 a 1.

O símbolo do jogo coletivo é o passe. É necessário, antes de tudo, desde as categorias de base, investir nesse fundamento e na formação de grandes meio-campistas, que, além da técnica, possuam a lucidez de fazer as escolhas certas, entre dar um passe seguro, para manter a posse de bola, e dar um passe incisivo, decisivo.

Quando critico a troca de favores e a formação de patotas, não me refiro apenas às escolhas tendenciosas de profissionais, ao corporativismo e ao jogo de interesses, pessoais e comerciais.

Refiro-me também ao provincianismo, à visão estreita e viciada, à falta de conhecimento e de reconhecimento do que existe de melhor pelo mundo e, parafraseando Caetanos Veloso, mestre das palavras, à incapacidade de enxergar o que não é espelho.


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