Folha de S. Paulo


Um ano perdido

Neste mundo maluco, em que se vê de tudo na internet, de imagens belíssimas e educativas a chocantes e insignificantes, esperava que fossem vazados os vídeos, feitos pela CBF e pela confederação alemã, nos vestiários, nos momentos que antecederam o 7 a 1. Como não foram mostrados, posso imaginar.

Antes da palestra de Felipão, Parreira leu outra carta de Dona Lúcia. Para quem não sabe, foi a mulher que enviou uma mensagem de solidariedade e de agradecimento aos jogadores e à comissão técnica, após o 7 a 1, lida por Parreira, em entrevista coletiva. Nesta outra carta, a "santa" Dona Lúcia chamou os atletas e a comissão técnica de queridos e heróis e disse que estaria ao lado deles, na derrota e na vitória, na tristeza e na alegria.

Até hoje, ninguém ainda sabe se Dona Lúcia existe ou se foi uma criação infeliz da CBF, para ser um exemplo de condescendência com o fracasso.

Antes de Felipão, Marin disse aos atletas: "Além dos prêmios combinados, em euros, para ganhar hoje e na final, ofereço a todos e às suas famílias 30 dias de férias no mais luxuoso hotel de Zurique, à beira do lago, onde me hospedo com os membros da Fifa".

Felipão começou a palestra repetindo que, em casa, é impossível o Brasil perder. Parreira acrescentou: "Estamos com as mãos na taça. A CBF e a Seleção são coisas que deram certo no Brasil".

Felipão lembrou a estratégia: "Vamos pressionar, acuar os alemães, com uma linha de três atacantes [Bernard, Fred e Hulk], Oscar perto dos três e mais o apoio dos laterais. Luiz Gustavo fica mais atrás, quase como um terceiro zagueiro, para fazer a cobertura".

Fernandinho, preocupado, perguntou: "Professor, não é perigoso eu ficar sozinho, no meio, contra os três alemães, que tocam muito bem a bola?" Felipão, com seu trejeito característico, respondeu: "Eles vão tremer e não vão sair da defesa".

No outro vestiário, o técnico alemão Joachim Löw relembrou: "Vamos congestionar o meio-campo, com cinco jogadores [Kroos, Schweinsteiger, Khedira, além de Müller e Özil, pelos lados], ficar com a bola, trocar passes e avançar em bloco."

A Alemanha, contra o Brasil, e o Chile, contra a Argentina, congestionaram o meio-campo, defenderam e atacaram em bloco, sem deixar espaço entre os setores.

Enquanto isso, Brasil e Argentina tinham um vazio no meio, pois jogaram com um volante, quase como um terceiro zagueiro (Luiz Gustavo e Mascherano), um meia ofensivo, próximo aos três da frente, quase um quarto atacante (Oscar e Pastore). No meio-campo, tinham apenas um jogador (Fernandinho e Biglia), ambos sem muito talento. A diferença é que a Alemanha tem muito mais qualidade individual que o Chile.

Para assimilar, conviver bem e renascer após uma tragédia, sem esquecê-la, é necessário, durante um tempo variável, refletir, vivenciar, com tristeza, a perda, o luto.

A CBF, com apoio da maioria dos treinadores brasileiros, fez o contrário, ao negar, ao não dar importância ao 7 a 1, como se fosse apenas um apagão. Um ano depois, o futebol brasileiro está no mesmo lugar, sem identidade, perdido.


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