Folha de S. Paulo


Sabe, mas não sabe que sabe

No futebol e em todas as atividades, profissionais, mesmo os mais bem preparados cientificamente, às vezes, agem, principalmente nas decisões rápidas, mais de acordo com seus desejos, intuições, observações no momento e experiências anteriores do que baseado em atuais conhecimentos técnicos. Umas das razões é a onipotência do pensamento, de achar que o que penso e quero está acima da realidade.

Isso pode ser bom ou ruim. A capacidade de observar e de deduzir é uma virtude, pois diminui os excessivos pré-conceitos e pré-julgamentos. A pessoa se torna mais criativa. Por outro lado, há o risco de contrariar o conhecimento. A experiência pessoal não pode estar também à frente da ciência, que aproveita as experiências de milhares de pessoas sobre o mesmo assunto.

Como há dezenas de fatores envolvidos no resultado de uma partida, os técnicos, com frequência, erram acertando e acertam errando. Iludem-se, repetem o que fizeram errado e esquecem o que fizeram certo. Outras vezes, mesmo conhecendo a evolução da técnica, preferem repetir a mudar, por superstição, por compulsão ou por motivos ignorados.

Não se deve confundir a capacidade de observar, improvisar, com o desconhecimento técnico. A ignorância está próxima da irresponsabilidade e da pilantragem. Intuição não é palpite. É o conhecimento que ainda não foi racionalizado pela consciência e que surge de repente. A pessoa sabe, mas não sabe que sabe.

Na Copa de 1970, Zagallo me impressionou porque, pela primeira vez, vi um técnico dar, diariamente, treinamentos táticos, com detalhes. Porém, no Mundial de 1998, assisti a todos os treinos da seleção, que eram os mesmos da Copa de 1970. Apesar de conhecer a evolução dos treinamentos, Zagallo acreditava mais na repetição do que um dia estava correto e que deu certo.

Na Copa de 2014, Felipão acreditou que tudo o que tinha feito na Copa das Confederações deveria ser repetido, mesmo que as evidências mostrassem o contrário.

O excelente treinador Carlo Ancelotti, do Real Madrid, não tinha nenhuma razão técnica para colocar, contra a Juventus, no meio do segundo tempo, o centroavante Chicharito em lugar de Benzema, que era o melhor atacante do Real no jogo, mesmo cansado, após uma longa ausência. Acreditava que Chicharito repetiria o gol salvador contra o Atlético de Madri.

Atletas e treinadores, mesmo os mais estudiosos e sensatos, como Tite, também se iludem com o excesso de elogios. O Corinthians se achou muito melhor do que era. A soberba é uma fraqueza humana. Somos todos soberbos, uns mais que os outros.

Gravíssima é a estupidez humana que assola o mundo. Na Sicília, antes de chegarem, morrem milhares de imigrantes, por causa do tráfico criminoso de pessoas. Na Argentina, foi um horror o jogo entre Boca e River. Não aguento mais ver os noticiários, com tanta violência, de todos os tipos, no Brasil e no mundo. Nosso país é líder em mortes relacionadas ao futebol. O ser humano regrediu. Quase só conversa por 140 caracteres. Alguém já disse que o futuro é o grunhido.


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