Folha de S. Paulo


Vedetização dos treinadores

Barbara Heliodora, crítica teatral, que morreu na sexta-feira, dizia que escrevia para seus leitores, e não para artistas e autores. É um ensinamento para todos nós, analistas de esporte e de todas as áreas.

Nas décadas de 1950 e 1960, os técnicos eram discretos, orientadores, embora existissem também alguns estrategistas, como Tim. Ninguém se lembra de Lula, técnico do Santos de Pelé, talvez o maior time de todos os tempos. Ayrton Moreira, treinador do Cruzeiro, batia papo com os repórteres, enquanto fazíamos longos treinos coletivos. Dizem que o gordo Feola cochilava durante as partidas da Copa de 1958.

Com o tempo, por causa do avanço da ciência esportiva e da estatística, houve, progressivamente, uma supervalorização e uma vedetização dos treinadores. As análises das partidas passaram a ser feitas a partir dos resultados e da conduta dos "professores".

Surgiram muitos treinadores formados na escola de Educação Física e que nunca foram atletas, como Cláudio Coutinho e Parreira. São técnicos que reconhecem a enorme importância da qualidade individual e da improvisação, mas que sonham em acabar com o acaso e fazer do futebol quase somente um jogo de lances ensaiados e planejados.

O maior número é de treinadores ex-atletas, como Zagallo, Telê Santana, Tite, Marcelo Oliveira, Luxemburgo, Mano Menezes e outros, que unem os conhecimentos científicos com a qualidade individual, embora alguns sejam mais estrategistas, como Zagallo e Tite, e outros, mais preocupados em melhorar os fundamentos técnicos dos atletas, como Telê e Marcelo Oliveira.

Bastou o Flamengo sair da zona de rebaixamento e ficar no meio da tabela, no ano passado, o que seria esperado com qualquer técnico, para Luxemburgo voltar a ser endeusado. Ele foi um dos últimos a aderir à estratégia europeia de atuar com meias ou atacantes pelos lados, formando duplas com os laterais, no apoio e na marcação. Seus times sempre jogavam com um losango no meio-campo. Quem avançava pelos lados eram somente os laterais. Por isso, foi muito criticado quando dirigiu o Real Madrid.

Usar duas linhas de quatro e meias pelos lados sempre foi desprezado pelos técnicos brasileiros. Isso começou a mudar com Mano Menezes, no Grêmio, e com Tite, após a conquista do Mundial de Clubes pelo Corinthians, quando várias equipes brasileiras passaram a fazer o mesmo, como o Cruzeiro bicampeão brasileiro.

Hoje, não há mais lugar para ex-atletas que não se preparam cientificamente para o cargo, que acham que sabem tudo, nem para treinadores universitários, apaixonados pela estratégia, mas que são pouco observadores e dão pouca importância ao talento individual e à improvisação.

Apesar do 7 a 1 e de tantos dirigentes que fazem mal ao futebol brasileiro, há indícios de recuperação, como as boas atuações da seleção, com Dunga, as mudanças de conduta dos treinadores e a adoção da responsabilidade fiscal pela diretoria atual do Flamengo, de acordo com a medida provisória do governo, que ainda corre o risco de ser desfigurada pela CBF e pelo congresso.


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