Folha de S. Paulo


O silêncio incomoda

Escrevi que o Campeonato Inglês é tão organizado, os estádios, tão cheios, os gramados, tão bons, e a bola rola tanto, sem interrupções, que, mesmo jogos medíocres parecem épicos, ainda mais com a vibração dos narradores. Evidentemente, a maioria das partidas na Inglaterra é de bom nível. Podemos fazer o raciocínio inverso, no Brasil, onde quase tudo funciona tão mal, de que algumas ótimas partidas parecem medíocres? O espetáculo é o conjunto.

A medida provisória sobre o longo refinanciamento da dívida dos clubes, com juros baixíssimos, uma mamata, será discutida no Congresso. Os clubes terão penalidades progressivas, até chegar ao rebaixamento, se não cumprirem o combinado. A CBF é contra. Ainda tenho dúvidas se o governo deixará os clubes falirem, sejam quais forem, se continuarem irresponsáveis. Tem de ser a última chance.

Na Suíça, o presidente Marin criticou a comissão técnica da seleção da última Copa por não ter substituído, contra a Colômbia, Thiago Silva e Neymar, quando o jogo estava 2 a 0, pensando na semifinal com a Alemanha. Quando o zagueiro levou o segundo cartão amarelo, estava 1 a 0, e não 2 a 0. Ninguém poderia prever a contusão de Neymar. Marín continua à procura de uma boa desculpa para o 7 a 1.

Hoje, para minha tristeza e de milhares de pessoas que gostam de futebol e não têm o canal que vai transmitir a partida, não poderei ver o maior clássico do mundo, entre Barcelona e Real Madrid, pelo Campeonato Espanhol. Não passa nem o teipe completo, apenas os melhores momentos, rigorosamente editados, e os gols, se houver, mas sem ver toda a jogada, só a bola entrando no gol.

Nos programas esportivos e em minhas caminhadas diárias, quando penso e converso com meus fantasmas, ouço muito que o futebol brasileiro perdeu sua essência. O que seria essa essência, a improvisação, o brincar com a bola, a fantasia? As grandes equipes da história, que ganharam ou não, uniam essas qualidades com a organização e a disciplina tática, de acordo com o estilo da época. É uma lenda, que, no passado, os grandes jogadores faziam o que queriam e ganhavam as partidas.

Não se pode confundir também habilidade com técnica e talento. Rivellino não foi um supercraque por causa do drible (elástico), mas, principalmente, porque tinha uma excepcional técnica. Dava passes decisivos e finalizava com extrema eficiência, além de ter uma ampla visão do jogo. Os dribles espetaculares, as canetas dadas por Messi, contra o Manchester City, são apenas adornos, efeitos especiais, complementos de seu extraordinário talento.

Como sou um psicólogo, um sociólogo de botequim, deduzo que as milhares de causas já ditas sobre a queda do futebol brasileiro convergem para a incapacidade técnica e para a falta de prazer, de obsessão, por fazer com excelência, cada dia melhor. Isso ocorre em todas as atividades e em todos os níveis. Fora as muitas exceções, predominam o desleixo, a pressa de fazer de qualquer jeito, de, rapidamente, consumir, supervalorizar e descartar, quase sempre, com excessivo marketing e barulho. O silêncio incomoda.


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