Folha de S. Paulo


Não perca o show

Escrevi que Gerson, Cruyff e Xavi foram os atletas que melhor entenderam o jogo enquanto jogavam. Seria como se eles saíssem da partida para a arquibancada e voltassem para atuar, algo parecido com o personagem que saía da tela de cinema e retornava, no belíssimo filme de Woody Allen, "A Rosa Púrpura do Cairo".

Cruyff é, entre os ex-jogadores, o que tem melhores ideias sobre futebol, apesar de muito criticado, às vezes ridicularizado, no Brasil. Foi o grande inspirador de Guardiola, que difundiu muitos conceitos, aos poucos, incorporados por grandes treinadores. É uma das razões do ótimo momento do futebol, pelo menos nos maiores times e seleções do mundo, como vimos na última Copa.

Cruyff é muito criticado pelas declarações polêmicas, que, com frequência, não são bem explicadas e/ou compreendidas. Quando criticou a escolha, pela segunda vez seguida, de Cristiano Ronaldo como melhor do mundo, não foi porque achou injusto nem porque não goste do atacante português. Penso que ele quis dizer que, diferentemente de Messi, Cristiano Ronaldo é apenas um excepcional artilheiro, que geralmente não brilha quando não faz gols e que dá poucos passes decisivos. Para Cruyff, Cristiano Ronaldo não teria o refinamento dos grandes artistas do futebol.

Cruyff deve ter se enganado quando criticou a contratação de Neymar, por achar que dois astros juntos fariam mal ao Barcelona. Sua preocupação era correta. A ambição humana, que, com frequência, não respeita a ética, é um fato corriqueiro. Mas existem também craques muito inteligentes, como Neymar e Messi, que sabem a enorme importância de um para o outro e para a equipe. Os dois se admiram e estão, a cada dia, mais entrosados. Cruyff mostrou que tinha também grande admiração pelo talento de Neymar, por pensar que ele logo seria uma estrela mundial, como agora é.

Para satisfazer meu exagero didático, que pode ser uma virtude ou uma deficiência, não se devem confundir os grandes pontas-de-lança, artilheiros, atacantes, que voltam para receber a bola e dão excepcionais passes, como Messi, Neymar, Pelé, Zico e Maradona, com os clássicos meias de ligação, como Alex, Riquelme e Ronaldinho, nem com os antigos meias armadores, como Gerson e Rivellino, nem com os atuais meio-campistas, mistura de volantes e de meias, como Kroos e Pogba.

Os pontas-de-lança e os clássicos meias são iguais apenas pela camisa 10. Os grandes pontas-de-lança e os meias armadores do passado são os principais responsáveis pela fama e sucesso do futebol brasileiro.

Começaram os Estaduais. É uma grande chance de se ver grandes craques, partidas de altíssimo nível técnico, ótimos gramados (até os dos pequenos estádios), arquibancadas lotadas, confortáveis, sem violência e com ingressos acessíveis.

Imperdível!


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