Folha de S. Paulo


O tempo passa

Quando Cruzeiro e Santos se enfrentam, perguntam-me muito sobre as duas partidas decisivas pela Taça Brasil, em 1966. O recente 7 a 1 me fez lembrar o 6 a 2, também no Mineirão. Nas duas partidas, o primeiro tempo terminou 5 a 0. Dirceu Lopes foi o Pelé do 6 a 2.

O primeiro tempo do segundo jogo, no Pacaembu, terminou 2 a 0 para o Santos. Como não havia critério de saldo de gols para o desempate, o presidente do Santos, no intervalo, procurou o do Cruzeiro para marcar o terceiro jogo, que teria de ser em campo neutro. O Cruzeiro virou para 3 a 2. Na comemoração, no vestiário, um fotógrafo colocou uma coroa de papel em minha cabeça e, imediatamente, bateu a foto. No outro dia, ao ver a foto na primeira página do jornal, com o título "O novo rei", morri de vergonha, de constrangimento. Senti-me um usurpador do trono.

Evaldo, centroavante do Cruzeiro, facilitava para que eu e Dirceu Lopes, vindos de trás, marcássemos a maioria dos gols. Quando Zagallo mudou de ideia e resolveu me escalar, duas semanas antes da Copa de 1970, me perguntou: "Dá para você jogar mais à frente, de pivô, sem voltar, como faz no Cruzeiro"? Respondi: "Não há problema. Vou ser o Evaldo, um centroavante armador".

Uma das diferenças do futebol do passado e do presente é a diminuição dos espaços entre os setores. Os jogadores atacam e defendem em bloco. É um grande avanço. No Cruzeiro, tentei jogar de uma intermediária à outra, como fazem hoje alguns jogadores. Quando entrava no campo do outro time, estava exausto. Desisti.

Muitos falam que, no passado, por ter mais espaços, era mais fácil jogar. Por outro lado, com mais espaços e mais tempo com a bola, ninguém enganava. Os medíocres mostravam logo que eram medíocres. Outros dizem que dei azar porque, se jogasse hoje, com menos craques, seria mais valorizado. É o contrário. Só fui um grande jogador porque atuava ao lado de tantos craques. Não digo isso por modéstia ou falsa modéstia. É a consciência das coisas. Sou também presunçoso, mais do que pareço.

Os jovens, que só viram Pelé pelas imagens da Copa de 1970, não conheceram o auge de seu esplendor, físico e técnico, mais ou menos entre 1957 e 1965. Em 1966, Pelé já não tinha a mesma velocidade e regularidade, embora fosse ainda muito melhor que todos os outros. Antes da Copa de 1970, ele se preparou para a despedida triunfal da Seleção, como ocorreu.

Muitos pais, quando me encontram, falam aos filhos: "Aquele é Tostão, que jogou a Copa de 1970 ao lado de Pelé". Fico orgulhoso.

O passado é importante para lembrar, entender o presente e pensar o futuro. Não é para repeti-lo nem para viver o presente com o olhar no passado. O tempo passa, mas podemos reconstruí-lo de outras maneiras, sem estranhar o passado.


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