Folha de S. Paulo


Os falsos são os outros

Quando voltei a trabalhar no futebol, 20 anos atrás, como colunista e comentarista de televisão, a maioria das equipes brasileiras usava a burra marcação individual, em todo o campo, jogava com um volante-zagueiro, que não era volante nem zagueiro, além de mais dois volantes brucutus, que faziam faltas e a cobertura dos laterais que avançavam pelas pontas.

Essas e outras medíocres estratégias, próprias dos times brasileiros, atrasaram a evolução do futebol. Felizmente, têm sido, aos poucos, abandonadas. Na época, os "professores" eram endeusados, e havia até um programa de TV dedicado a eles.

Na última década, os grandes times do mundo passaram a jogar com um meia ou um atacante pelos lados, que marcam e atacam, e com volantes mais habilidosos, de uma intermediária à outra. Alguns têm atuado apenas com um volante mais atrás. O Chelsea contratou o meia Fábregas para ser o segundo volante, e ele tem atuado muito bem. Tudo isso, progressivamente, tem sido incorporado às equipes brasileiras.

Diminuiu também, nos últimos anos, a dependência do centroavante convencional. Muitos times têm jogado com um meia mais agressivo, mais adiantado, ou com centroavantes com mais mobilidade e habilidade.

Escalar apenas um típico volante e sem centroavante é o que tem feito Levir Culpi, no Atlético-MG. Com isso, corrigiu a principal deficiência, que era ter dois volantes muito recuados e apenas marcadores, distanciados dos quatro mais adiantados. A marcação não foi prejudicada porque Luan e Carlos, pelos lados, voltam para marcar. O time ficou também mais compacto. Foi bonito, contra o Corinthians, ver o quinteto, formado por Dátolo, Guilherme, Tardelli, Luan e Carlos, trocar passes, desde o meio-campo, até o gol.

Não demorou para alguém dizer que Dátolo é um falso volante. Agora, o Atlético-MG tem um falso 9, Tardelli, e um falso volante. Falsos deveriam ser o volante brucutu e o centroavante grosso, que só empurra a bola para o gol.

Já o Cruzeiro, em parte, pelas ausências de Éverton Ribeiro e de Ricardo Goulart, perdeu as duas últimas partidas, com três volantes. Nenhum dos três tem características de armador mais ofensivo. Lucas Silva tem grandes chances de ser um destaque mundial, mas, como primeiro volante, para marcar e iniciar as jogadas ofensivas, com seu ótimo passe.

Muitos lugares-comuns do futebol brasileiro precisam ser esquecidos ou, no mínimo, relativizados, como ter sempre um típico centroavante e dois volantes convencionais. Outro é a veneração que muitos têm pela velocidade. Ela é essencial, mas não adianta, se não tiver a companhia da técnica e da imaginação.

"O olho vê, a memória revê, e a imaginação transvê. É preciso transver o mundo" (Manoel de Barros).


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