Folha de S. Paulo


Bota ponta, Luxa!

Na época em que se amarrava cachorro com linguiça, expressão usada por Felipão, todas as equipes tinham laterais que, raramente, passavam da linha do meio-campo e pontas que, raramente, voltavam até seu campo. Não se misturavam. Parecia uma passagem de bastão, em uma corrida de revezamento.

Diz a lenda que, no jogo contra a Áustria, na Copa-58, o treinador Vicente Feola gritava para Nilton Santos não avançar. O lateral esquerdo, que tinha no corpo um computador, de última geração, que calculava todos os movimentos e a velocidade dos companheiros, dos adversários e da bola, e que ainda possuía um GPS para mostrar o melhor caminho, continuou e fez o gol.

Diz ainda a lenda que Feola dormia durante as partidas. Se isso é verdade, não poderia gritar para que Nilton Santos voltasse.

Em todas as épocas, o futebol, quase sempre, foi jogado com atacantes ou meias pelos lados. Antes, eram os autênticos pontas, dribladores. O drible é uma transgressão do racional e do pensamento linear.

A partir da Copa-66, sumiram os típicos pontas na Europa, que foram substituídos por um meia de cada lado, que voltavam para marcar, ao lado dos volantes, formando uma linha de quatro no meio-campo e que, quando o time recuperava a bola, avançavam como pontas.

A única diferença desse sistema tático, com dois volantes, um meia de cada lado e dois atacantes, talvez ainda o mais usado no mundo, com a maneira atual de jogar, com três meias e um centroavante, é a troca de um dos dois atacantes por um meia de ligação, pelo centro.

Hoje, muitos times têm um volante que avança como meia, quando a equipe recupera a bola. Sempre foi assim, quando o volante tem talento. Os numerólogos já estão criando um novo sistema, o 4-1-4-1, com um volante, quatro meias e um centroavante. Mudam os números, e continua tudo igual.

Uma evolução importante da maneira atual de jogar, com um meia de cada lado (pontas), é a formação de duplas pelos lados, entre o meia e o lateral, na defesa e no ataque. Não existe mais a passagem do bastão, do lateral para o ponta. Isso confunde a marcação.

Após o sumiço dos autênticos pontas, muitos técnicos brasileiros, como Luxemburgo e outros, diferentemente do que ocorre no mundo todo, inclusive em muitas equipes que disputam o Brasileirão, preferem jogar como há 20 anos, com três no meio-campo, geralmente volantes mais marcadores, um meia de ligação e dois atacantes. São os laterais que avançam, pelas pontas, geralmente sem saber. Os volantes deixam de ser jogadores de meio-campo, para fazer a cobertura, ser os secretários dos laterais. Um atraso.

Quando Luxemburgo era treinador do Real Madrid, os espanhóis protestavam e pediam jogadores pelos lados. Parafraseando Jô Soares, "bota ponta, Luxa"!


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