Folha de S. Paulo


O mercado que não quer ser mercado

Você já experimentou a nova sensação da cidade? São as lojas que não querem vender! Sim, mesmo no Natal, os funcionários têm aquela cara de "ai que bode, lá vem um trouxa". Cliente, para esses maravilhosos humanos hypados que na verdade são uns chatolas (que trabalham na porra de uma loja, mas gostam de pensar que frequentam um "studio" ou coletivo do bem), significa: um tipo estranho, com mais de 30 anos, que ainda não entendeu nada.

Você escolhe alguns vestidos, que na verdade são saias bifuncionais, da arara de roupas, que na verdade é um mostruário físico, e um vendedor, que na verdade é um consultor de estilo, vem lhe informar que você terá que voltar pra casa e fazer o pedido pela internet e esperar o costureiro, que na verdade é um artesão, harmonizar a sua demanda com o equilíbrio do cosmos. Então os co-workers, que na verdade são apenas os outros funcionários, te observam sair, meio puta, do rooftop, que na verdade é só a bosta do andar de cima.

Amigo, se eu já estou aqui, se a saia bifuncional já está em minhas mãos, se o cartão de crédito tá saltitando na bolsa, não podemos resolver isso do jeito que eu resolvi por tantos anos, quando você ainda nem existia e seu bigode mix de Salvador Dalí com amante latino muito menos?

Esses dias me deparei com camisetas modernetes a R$ 59. Já estava comprando várias para presentear até o Natal de 2020 quando uma garota de axilas vencidas resolveu golfar todo o storytelling do tecido natural, passando pela saga pessoal da estilista natural e terminando com uma poesia concreta surpresa que vinha na etiqueta. Mano, eu só queria comprar e ir embora (e que você não fedesse). Mas porque sou insegura e caipira, insisto: quanto mais fazem o joguinho do difícil, mais me pego seguindo essas feiras descoladas e itinerantes no Instagram, achando que ao obter um porta-velas de flamingo bissexual militante o portal se abrirá e eu serei pra sempre aceita.

No site dizia: "ligue e marque um horário". Na secretária eletrônica um recado: "compre pela internet". Quase pedi desculpas por querer gastar dinheiro. Por desejar imoderadamente uma almofada com desenhos de lhamas em crochê. Consegui um horário para dali duas semanas, mas a mocinha, sotaque blasé de preguiça existencial em lidar com lucro, avisou: o que tem no site nem sempre tem aqui, o que tem aqui nem sempre está a venda pelo site e o resto todo talvez não seja mais de nosso interesse produzir. Ninguém me olhava na cara. Estavam decidindo se a febre dos cactos (caderninho de cactos, abajur de cactos e o cactos em si num cachepô em formato de cactos) resistiria ao novo ano.

Uma das sócias (de pijama) me recebeu querendo "acabar logo com isso". Desejei o capacho de urso dormindo mas fiquei na dúvida se ele não estaria, na verdade, morto. Perguntei se o animal tirara uma soneca ou fora assassinado e ela respondeu: "Não explico minhas obras". Oi? Nós vamos mesmo chamar o capacho da estudante Nina, que curte fazer a empresária no Stories, mas não curte fluxo de caixa, de Picasso?

De qualquer forma, meu desejo foi brutalmente interrompido: "O item acabou. Quer dizer, tem no estoque, mas daí você precisa marcar novo horário".

Das 12 besteiras que escolhi para comprar, dez eram "objetos pessoais garimpados em viagens pelo mundo". Legal, e por que cazzo estão expostos numa loja? Suspiraram todas, cansadas: "Essa gente com mais de 30 anos não entende nada"!


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