Folha de S. Paulo


Morri de selfie

Uma pesquisa recente aponta que selfies já são mais perigosas e até fatais que ataques de tubarão. Teve o turista japonês de 66 anos que despencou de uma escada ao tentar fazer uma foto de si mesmo no Taj Mahal, a americana que se postou cantando a música "Happy" pouco antes de arrebentar o carro e a russa que atirou acidentalmente na própria cabeça ao querer tirar uma selfie segurando uma arma.

Mas em paralelo a histórias tristes e fúnebres, o mundo nos brinda com outras formas metafóricas para se morrer de selfie. Quem nunca feneceu de vergonha depois de postar a clássica "olha eu sendo amada depois de tudo" ou "vou muitíssimo bem sem você, fazendo carinha de quem vai transar hoje a despeito da lama existencial em que você me atirou"? Essa geralmente vem acompanhada pela "magreza, malemolência, desprendimento, novo cabelo e obsessão por pertencer a todas as mais descoladas festas". Certeza que ainda vão cunhar o termo "selfie inanição" para jovens que esquecem de comer em busca da foto perfeita.

Desejo inexistir quando percebo que algumas pessoas esticam verticalmente a selfie, para parecer que são magérrimas, de rosto afilado e vinco modelete na ossatura facial. Tem também a modalidade mais "naturalista performance caseira", que é quando a moça suga e morde as bochechas na hora do close. Se nada disso der certo, ainda dá pra recorrer a vários aplicativos que corrigem imperfeições para que a selfie fique mais "magra, fina e refinada" e ainda clareiam olheiras, dentes e manchas.

O que, se não o desejo de uma extinção para a espécie, deve sentir um acadêmico viciado em mestrados ao saber que algumas pessoas (espécimes essas que nadam em riqueza mesmo em ano de crise) têm como profissão "faço selfies em academia"? E mais uma vez lá vem a vaidade com desculpa social: "é uma mensagem de saúde". Passa o dia instagramando o próprio umbigo sarado, mas o lance real ali dentro daquele coração é uma preocupação enorme com os outros. Com tantos livros e filmes e seriados e exposições e peças de teatro e amigos e restaurantes e profissões ofertados no mundo, nunca vou entender o foco nos glúteos duros em prol da humanidade.

Arrefece diariamente a minha esperança de que algumas amigas voltem a querer mais da vida além de tirarem selfies com o seu filho. Ok, a maternidade pode ser o momento mais magnânimo e esplendoroso da passagem de um ser humano nesse planeta. Ainda assim, eu acredito que é preciso desejar mais dos dias e do futuro. A falta profunda de uma razão pra existir (escolher uma profissão e gostar dela!) foi finalmente preenchida! Olha, essa criança vai crescer e sair de casa e haja tarja preta pra você! Precisa postar 158 selfies de você com o seu bebê em uma única manhã? Minha vontade é perguntar: legal, e O QUE MAIS você sabe fazer?

O número de óbitos causado por selfies poderia ter aumentado no último sábado, não fosse eu uma pessoa controlada. Durante toda a apresentação do Rod Stewart, uma turminha à minha frente resolveu que assistir a show é coisa do passado, a moda agora é ficar de costas pro palco, posando com a banda ao fundo. Mudei de lugar oito vezes, na tentativa de me proteger de flashes na cara a cada meio segundo e de sentir nojinho daquelas bocas e olhares sensuais salpicados com um hang loose chupa sou do rock. Mas eles vinham atrás de mim. Ou eram outros, vai saber, infelizmente quase todas as pessoas ali se comportavam de forma igualmente selfie-maníaca e imbecil.


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