Folha de S. Paulo


Como amadurecer um protagonista

Estou escrevendo um roteiro sobre um grupo de amigos que perdeu o trem para a vida adulta. Eles já têm quase 40 anos e nada. Trabalho chato, nem pensar; comprometimento é a coisa mais careta que existe; respeitar as regras pra viver em sociedade, nem a pau; pagar contas é coisa de velho que desistiu de lutar.

Eles querem salvar o mundo, acreditam em alguma espécie de heroísmo-hipster-híbrido-hipócrita tipo "fui de bicicleta com minha carteirinha de estudante falsa" lutar por um país mais digno, enquanto abusam da mãe velhinha, torrando o resto da grana que ela guardou para uma velhice tranquila.

Dormem o quanto querem, viajam até o dinheiro acabar, vivem como se cheque especial fosse salário, bebem como se o rim fosse dois (e estão certos! Eles estão sempre certos!), transam como se trocar fluidos corporais fosse dar bom dia no elevador e pra qualquer angústia ou dor existem sempre as drogas que a Onofre entrega em casa ou o Paulão do PCC.

O filme vai muito bem até o meio do segundo ato, momento em que, como qualquer curso de cinema vagabundo ensina, precisa começar a ACONTECER alguma coisa que transforme a história. Se o meu protagonista é um imbecil imaturo, logo ele precisa virar um adulto responsável. Só que esse "logo", com o perdão do trocadilho, definitivamente não vem rápido quando tentamos escrever algo menos superficial.

Claro que num cinema mais pseudocabeça o protagonista poderia apenas encarar por 12 minutos o mar ou um aeroporto vazio e então um "off" diria algum jogo de palavras aliterado e desconexo metido a Clarice Lispector (sem nunca conseguir ser) tipo "sei tudo de si enquanto sou, será?" e tava tudo resolvido. Mas não é o caso. Claro que em um drama mais óbvio ou em uma novela mais tradicional, era só matar a mãe do protagonista que ele ficava maduro rapidinho. Talvez lhe dar uma doença grave o fizesse reavaliar toda a sua vida e o lançasse ao maturamento na velocidade da luz. Ou, ainda, uma opção fofura: e se uma criança batesse à sua porta precisando dos cuidados de um "responsável"? Ser pai é a única coisa que amadurece um homem, já diria meu ginecologista. Se todas essas opções lhe soam como déjà-vu, você já entendeu meu desespero.

Acontece que, na busca por algo original, bom, real, indie (ai, Judd Apatow, me ajuda), gracioso e profundo, estou emperrada nesse roteiro desde novembro do ano passado, fugindo de diretor, distribuidor e produtor com a desculpa (mais verdadeira do que esfarrapada) de que estou ocupadíssima com outras coisas. Mas, de todas as muitas coisas que vêm me ocupando, a mais aguda e irritante delas é: se eu nunca consegui de fato me sentir adulta, plenamente madura, como eu vou escrever sobre isso?

Se eu sinto dor de barriga e quero correr pra casa da minha mãe pelo menos umas quatro vezes por semana, como escrever com propriedade sobre esse grande momento da virada, esse segundo retumbante e resplandecente em que finalmente partimos para um mundo onde sentiremos menos medos e mais músculos, menos dúvidas e gotas de Rivotril e mais aplausos e firmeza na voz?

No filme "Enquanto Somos Jovens", do sempre genial diretor Noah Baumbach, o Ben Stiller fala uma hora pra sua mulher: "Eu me sinto uma criança imitando um adulto" e ela responde: "Você também?!". Ao ver essa cena, tive a brilhante ideia de... Copiar o filme do cara? Não rola... já fizeram antes! Vai ver é isso: crescer, por mais que a gente sonhe e idealize na adolescência como algo tão especial e único, sempre vai ser algo que já fizeram antes. Talvez reste a nós, a mim e a esse personagem congelado desde o ano passado, aceitar que crescer é apenas chato e acontece com todo mundo.


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