Folha de S. Paulo


Vaidade com desculpa social

Toda hora conheço um fotógrafo ou fotógrafa fazendo um trabalho "artístico social" com mulheres nuas. São jovens com peitinhos empinados, mulheres maduras "digo que é em forma de gota, mas a verdade é que já teve seu auge" (tipo eu), famosas, amigas desconhecidas de amigas desconhecidas, gordinhas, modelos. Todas lindas. Nada é mais bonito do que uma mulher nua.

Não fui muito a fundo, não pesquisei, mas parece que tem um movimento "free peitinhos" no Instagram. Eu sei, tem esse movimento no mundo todo, associado a uma infinidade de coisas. De liberdade pra amamentar bebês nas ruas a melhorias salariais para aposentados. De "chega de violência contra a mulher" a "Israel nunca mais pode ouvir um bom show". Ainda que eu concorde com alguns manifestos, peito de fora virou, há muito tempo e mesmo quando caído, a cordinha do hasteamento pra qualquer que seja a nossa bandeira da semana. Mas, como dizia Freud a respeito do charuto, não seria uma teta, às vezes, apenas uma teta? "Apenas", nesse caso, suficientemente desprendido de motivos "USP" pra poder executar apenas a beleza da volúpia? Não seria mais libertário e muito mais feminista assumir, quando for o caso, o poder descomunal e o prazer anarquista que nos dá abraçar a vaidade?

Por que boa parte das mulheres que posa nua precisa dizer que foi pra ajudar a família passando fome no interior do Amapá? Por que precisa ser associado a uma grande preocupação com o povo curdo? Por que não podemos assumir que nosso corpo causa comoções potentes e que, quando positivo, esse prestígio nos eleva de uma maneira espetacular? Sim, podemos usar tudo isso pra chamar a atenção pra 768 mazelas sociais, e eu respeito e admiro esse trabalho. Mas, e quando for apenas narcisismo, qual o problema com ele? Por que a autotesura causa tanto pavor às mulheres pretensamente inteligentes? Sim, todos somos contra machismo, estupro, humilhação, xingamentos, falta de respeito. Mas isso é pra ser tratado como doença de quem "responde dessa forma" e não como malfeito de quem estava tranquila exercendo seu momento licencioso.

Eu adoro sair do banho pelada e andar pela casa. Sim, eu sei que meu apartamento é rodeado de janelas grandes. Não, eu não faço isso porque quero ajudar o senhor meu pai, que mora numa casinha na Vila Carrão, e muito menos porque quero chamar a atenção das pessoas para a questão dos clitóris cortados no sul da Ásia. Não que eu não ame papai e não fique triste com a selvageria que mulheres sofrem pelos quatro cantos desse mundo, mas naquela hora específica em que caminho pelada pela sala estou apenas flertando solitária e embebida em gabo com meu corpo. Por que eu preciso do perdão e da desculpa da causa social pra sentir isso?

Voltando ao Instagram. Se homem pode, mulher tem que poder também. Claro! Algumas dessas moças censuradas colam fotos de mamilos em cima dos próprios mamilos. Excelente exemplo de feministas geniais e bem humoradas. Temos razão quando brigamos pro nosso "peito" ter a mesma liberdade do torso masculino. Mas não temos razão ao dizer que é a mesma coisa. Querer o mesmo respeito e espaço é diferente de ser igual, e é aí que tem um furo em alguns discursos. O que um belo par de tetas femininas causa, inclusive em mim, é bem diferente do que causa um tiozinho sem camisa na Paulista. Mesmo que ele seja um Ford Models italiano com pegada árabe nos cílios. Talvez eu poste um peitinho um dia, mas meu manifesto seria assim: 20% free peitinhos causa social, 80% tava precisando me achar gata porque tá puxada essa sexta-feira.


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