Folha de S. Paulo


Hashtag é gol

Lembro da angústia de ser penta. Eu abracei o Daniel (ex-namorado que já tem filhos, pança e careca), o primo dele, a mulher do primo que tinha um resto de vômito na camisa e uns cariocas bonitos recém-chegados. Eles comemoravam másculos, emocionados, chiados, bronzeados. Senti que abraçava o Rio de Janeiro inteiro. Mas não bastava. Liguei pra minha mãe, falei com meu pai, toquei a campainha da vizinha, bati papo com um cachorro que estava com medo dos fogos. Eu corria pelas ruas mexendo com as pessoas e batuquei no "capô" de um taxista que estava se desculpando com uma senhora. Ele não podia dirigir agora, tava muito nervoso. A senhora tava triste, chorava de saudade do marido que "não estava mais aqui pra ver" e o neto fazia graça porque "o pai mandou ele alegrar a vovó".

Abracei a velhota e ela tinha "sovaco". Poxa, velhinhas cheiram a talco mas aquela era especial. Amei aquele cheiro porque o Brasil era pentacampeão. Eu e meu namorado então resolvemos fazer uma ciranda. Ah, como eu amava aquelas pessoas mal vestidas que eu jamais tinha visto na vida ou voltaria a ver. E sentamos no meio da rua, em círculo, a bandeira pintada no chão. Rezamos um pai nosso em ritmo de pagode. E eu queria mais: eu queria abraçar Deus e Jesus e queria os dois mesmo que fossem um. Mas esse ano vai ser diferente. Vou mandar uma hashtag "é gol" nas redes sociais e falar com um milhão de pessoas. Vou fotografar minha alegria posada com rostinho de lado e o queixo levemente levantado. Vou mandar a hashtag "juiz ladrão" e mostrar meus conhecimentos. Não, vai dar mais angústia ainda. Saudade da ciranda brega e das pessoas nas ruas. Hashtag "me abraça de verdade que a internet não vai dar conta". Sou a favor de ir pras ruas reclamar, mas também de ir pras ruas comemorar.


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