Folha de S. Paulo


O estivador amendoado

Enquanto ele equilibra pelos cantos da festa seu desespero despretensioso, como dezoito sobremesas de chocolate para não ajoelhar no meio da sala, na frente de todos, e abrir o zíper da sua calça. Volto pra casa com o pescoço alongado de tanto perseguir com queixos altivos a sua beleza. Sou uma escrava blasé.

Cada centímetro de mim quer ter boca para degustar cada centímetro do estivador amendoado. Seu braço tem a largura da minha coxa e isso emociona mais do que cem garotos nus lendo Dostoiévski em russo.

Medi com uma língua imaginária seus ombros e na metade, próximo à nuca, acabava a minha saliva. Você é homem de exaurir pessoas e suas imensas porcentagens de água. Sua existência exige do mundo melhores peles, melhores líquidos, melhores pelos.

Você constrange a humanidade só de respirar. O oxigênio volta mais agradecido sempre que pode entrar e sair do seu largo e desenhado peitoral. Mas o estivador amendoado, ainda mais bonito por não saber de tamanho poder, fica frágil e sofre com ataques de ansiedade.

Desapareceu. Foi tomar o ar como se o ar já não estivesse louco de desejo para ser tomado por ele. Acha que é doença mas é a lua que implora para vê-lo novamente. É o céu que cansado de embrulhar tanta gente feia clama por sua existência ao ar livre.

Estivador vai até a sacada, fecha os olhos, lamenta algo. Não lamente mais: eu dedicaria cada segundo da minha vida em vesti-lo, alimentá-lo e animá-lo. Sente-se nu em meu sofá e ganhe cinqüenta reais a cada vez que seus olhos amendoados piscarem. Mais cem reais a cada vez que seus cabelos amendoados caírem sobre seus cílios amendoados. Eu não sei que cor é essa "amendoada" mas sei que você é todo dessa cor que não sei direito. A cor de um dia frio com sol. A cor de uma noite com luzes quentes.

Eu pagaria imposto a Deus pra ter você em minha vida. E então todos os dias seriam como aquele, no topo da escadaria do cinema, em que me perguntou "pipoca, chocolate ou nada?". Tem que ser muito macho para oferecer "nada" a uma mulher e ainda fazê-la sonhar. Você me assusta como deve ser a alguém miserável encontrar um carro forte abandonado.

Estivador amendoado, você curou minha tendinite, você arrancou as talas dos meus braços viciados. A ereção dos dedos que precisam te tocar e então tocam as letras e formam um texto pra te amar.

Você sorri com sua cara séria e nunca sei se está se divertindo ou odiando tudo. Começo então a fabricar sêmens dentro do meu coração e meus buracos se transformam em lanças para te furar inteiro. Me dói o saco ver você indo embora mesmo eu não tendo saco e mesmo você não indo embora.

Eu desejo trepar com pedaços seus que não são feitos de orifícios, línguas e paus. Eu desejo trepar com seu nariz, colovelos, calcanhares e com os ossos salientes da sua bacia quadrada. Bacia quadrada, rosto quadrado. Você num quadro, milhões de euros, eu a pagar com gosto e sem pressa o preço mais caro do mundo.

Mas em centavos, para que nunca termine a imensa oferta da sua beleza.


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