Folha de S. Paulo


Líderes populares latino-americanos não concebem ideia de criar herdeiros

Eitan Abramovich/AFP
Argentinian former President (2007-2015) Cristina Kirchner waves during a rally in Buenos Aires on June 20, 2017. Kirchner launched her new Unidad Ciudadana (Citizen Unity) party but maintained suspense over whether or not she will run for the Senate in next October legislative elections. / AFP PHOTO / EITAN ABRAMOVICH
Cristina Kirchner acena ao público em campanha em Buenos Aires

Cristina Kirchner lidera pesquisas para o Senado argentino por um partido que acaba de criar. Com pavor de ter de disputar eleições primárias, no próximo dia 13, com um outro candidato peronista, a ex-presidente resolveu dispensar o partido Justicialista –considerado o oficial do peronismo– e parte das agrupações que, com este, fizeram parte da Frente para a Vitória, aliança com a qual governou de 2007 a 2015.

Trata-se de mais uma demonstração de como os líderes populistas deste começo de século são incapazes de construir herdeiros.

Cristina chegou a ensaiar sucessores. Mas assim que estes conquistavam apoios, a então presidente os abandonava. Foi assim com Sergio Massa, seu ex-chefe de gabinete e seus ex-ministros da economia Martín Lousteau e Axel Kicillof.

Em 2015, Cristina não fez esforço para que o candidato governista, Daniel Scioli, ganhasse a eleição. No último discurso antes da votação, nem mesmo mencionou seu nome.

Mas Cristina não é a única a dar mostras da dificuldade que é, para um líder populista, apoiar um delfim.

No Equador, Lenín Moreno completa dois meses de mandato e já tem em Rafael Correa, seu padrinho político, um ácido crítico. Usando as redes sociais, Correa tem feito ataques ao modo como Moreno demonstra querer investigar a corrupção e sua reaproximação com a imprensa.

Na Bolívia, Evo Morales está em seu terceiro mandato, e impedido pela Constituição de concorrer a um quarto. Pediu um referendo para alterar a Carta. Perdeu, e agora formula estratégias para continuar no posto após 2020.

A dificuldade de construir herdeiros não é exclusividade dos populistas de esquerda. Na Colômbia, o carismático caudilho conservador Álvaro Uribe logo virou o principal rival do apadrinhado, Juan Manuel Santos. Nem o Nobel da Paz nem o acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) fazem com que o atual presidente logre superar a aprovação popular que mantém Uribe –o dobro da de Santos.

Cristina e Morales não quiseram construir sucessores. Já Uribe e Correa o fizeram, a contragosto, e se arrependeram poucas semanas depois da posse de seus herdeiros.

O mesmo ocorreu na Venezuela, onde Hugo Chávez (1954-2013) preferiu entregar o país a um líder que sabia ser pouco hábil politicamente –e o confessava a seu círculo próximo. O resultado assistimos agora, neste sangrento epílogo do regime.

Para a vaidade de um populista, é intolerável a ideia de ter um sucessor que opaque seu brilho aos olhos da história. Quem paga por isso, infelizmente, são os cidadãos de seus países, quando não a própria democracia.


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