Cristina Kirchner lidera pesquisas para o Senado argentino por um partido que acaba de criar. Com pavor de ter de disputar eleições primárias, no próximo dia 13, com um outro candidato peronista, a ex-presidente resolveu dispensar o partido Justicialista –considerado o oficial do peronismo– e parte das agrupações que, com este, fizeram parte da Frente para a Vitória, aliança com a qual governou de 2007 a 2015.
Trata-se de mais uma demonstração de como os líderes populistas deste começo de século são incapazes de construir herdeiros.
Cristina chegou a ensaiar sucessores. Mas assim que estes conquistavam apoios, a então presidente os abandonava. Foi assim com Sergio Massa, seu ex-chefe de gabinete e seus ex-ministros da economia Martín Lousteau e Axel Kicillof.
Em 2015, Cristina não fez esforço para que o candidato governista, Daniel Scioli, ganhasse a eleição. No último discurso antes da votação, nem mesmo mencionou seu nome.
Mas Cristina não é a única a dar mostras da dificuldade que é, para um líder populista, apoiar um delfim.
No Equador, Lenín Moreno completa dois meses de mandato e já tem em Rafael Correa, seu padrinho político, um ácido crítico. Usando as redes sociais, Correa tem feito ataques ao modo como Moreno demonstra querer investigar a corrupção e sua reaproximação com a imprensa.
Na Bolívia, Evo Morales está em seu terceiro mandato, e impedido pela Constituição de concorrer a um quarto. Pediu um referendo para alterar a Carta. Perdeu, e agora formula estratégias para continuar no posto após 2020.
A dificuldade de construir herdeiros não é exclusividade dos populistas de esquerda. Na Colômbia, o carismático caudilho conservador Álvaro Uribe logo virou o principal rival do apadrinhado, Juan Manuel Santos. Nem o Nobel da Paz nem o acordo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) fazem com que o atual presidente logre superar a aprovação popular que mantém Uribe –o dobro da de Santos.
Cristina e Morales não quiseram construir sucessores. Já Uribe e Correa o fizeram, a contragosto, e se arrependeram poucas semanas depois da posse de seus herdeiros.
O mesmo ocorreu na Venezuela, onde Hugo Chávez (1954-2013) preferiu entregar o país a um líder que sabia ser pouco hábil politicamente –e o confessava a seu círculo próximo. O resultado assistimos agora, neste sangrento epílogo do regime.
Para a vaidade de um populista, é intolerável a ideia de ter um sucessor que opaque seu brilho aos olhos da história. Quem paga por isso, infelizmente, são os cidadãos de seus países, quando não a própria democracia.