Folha de S. Paulo


Pesquisa sexy

A imprensa fez um estardalhaço com o resultado da pesquisa sobre violência contra a mulher, corrigida anteontem pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.

Os números impressionavam: 65% dos brasileiros teriam concordado que "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas" e 58% que, "se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros".

Foram publicadas pelo menos dez colunas sobre a pesquisa na grande imprensa, todos textos indignados com o poço de machismo em que está mergulhado o país.

"Nenhum orgulho de ser brasileiro", "é o nosso lado obscuro", "dá arrepio na alma", "não há nada [na pesquisa] que eu já não soubesse", "os que têm orgasmos com a democracia direta deveriam escutar mais vezes as aberrações que o povo defende" foram algumas das conclusões dos analistas.

Até a presidente Dilma escreveu no Twitter: "A sociedade brasileira ainda tem muito o que avançar no combate à violência contra a mulher". E depois deu apoio à jornalista que criou a campanha virtual #nãomereçoserestuprada.

O Ipea foi parar na novela das oito, "Em família": o marido lê para Helena a notícia "absurda" no "Globo". "É uma sociedade machista e retrógrada", diz a protagonista.

A imprensa não poderia ter adivinhado que havia um erro tão grande na pesquisa –são 26% (e não 65%) os que concordam que mulher que veste roupa sexy merece ser atacada–, mas deveria ter desconfiado de resultados tão extravagantes.

Editoria de Arte/Folhapress

"A primeira coisa que um engenheiro faz quando vê uma medida absurda é questionar o termômetro", escreveu um leitor que estranhou os dados do Ipea. Surgiram algumas críticas à pesquisa na internet, questionando sobretudo a forma como as perguntas foram feitas e dando pistas de que havia algo errado com a amostra.

As entrevistas foram feitas em domicílio, no horário comercial, quando tem menos gente economicamente ativa em casa. Há uma overdose de mulheres, idosos, pessoas com baixa escolaridade e moradores do interior. A amostra tem 66% de mulheres (no Brasil, entre os maiores de 16 anos, elas são 52%), 19% de idosos (deveriam ser 15%), 5% com diploma universitário (em vez de 11%) e 29% de moradores de áreas metropolitanas (são 41%).

O instituto poderia ter feito uma ponderação dos resultados, dando, por exemplo, um peso maior às respostas dos que têm alta escolaridade, mas não o fez. Como essas variáveis fazem muita diferença em pesquisa de opinião, não dá para extrapolar nenhum resultado para toda a população brasileira, embora o Ipea não admita isso.

Em vez de desconfiar do tamanho da esmola, a imprensa reproduziu sem hesitar os dados. Jornalistas, sempre desconfiados dos políticos, são facilmente seduzidos pelo que vem embalado em números e com a chancela de um instituto.

DENUNCISMO

Três repórteres da Folha gastaram três semanas monitorando as saídas dos condenados do mensalão que estão no regime semiaberto. Constataram que Valdemar Costa Neto, ex-presidente do PR, recebeu visitas de deputados no local de trabalho e que passou uma vez no McDonald's. Jacinto Lamas, também ex-PR, rezou, por dez minutos, em uma paróquia e encontrou-se uma vez com a mulher.

A reportagem, que ocupou uma página, é exemplo do denuncismo estéril que se critica na imprensa. Com tanta investigação séria em andamento, e daí que um tenha comido Big Mac e o outro tenha rezado para Nossa Senhora de Guadalupe?


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