Folha de S. Paulo


Trabalhos manuais podem criar prazer e felicidades tangíveis

Karime Xavier/Folhapress
Usar somente tecnologias digitais pode nos afastar do prazer de construir algo com as mãos
Usar somente tecnologias digitais pode nos afastar do prazer de construir algo com as mãos

Eu e meu companheiro de mesa ao jantar começamos a trocar figurinhas sobre nossas respectivas palestras que aconteceriam no dia seguinte. De campos diferentes, não reconhecíamos o nome um do outro. Contei-lhe sobre todas as evidências que temos encontrado de que nossa espécie é apenas mais um primata, dona do maior número de neurônios no córtex cerebral de qualquer animal, mas graças a isso capaz de criar, transmitir culturalmente e acumular tecnologias e conhecimento que nos tornam uma potência cognitiva.

Uma das nossas conquistas cognitivas, através de decisões inteligentes, é a boa qualidade de vida, que inclui a sensação de felicidade. Essa, por sinal, era a praia do meu comensal: como lidar positivamente com o estresse (ao invés de evita-lo), encontrar e cultivar o bem-estar.

Rapidamente convergimos sobre nossa impressão de que jornalistas, e boa parte da sociedade em geral, gostam de demonizar a tecnologia como um mal da vida moderna –quando a tecnologia, por definição qualquer processo, sistema ou objeto que ajuda a resolver um problema, é intrinsecamente positiva; o problema é o uso que escolhemos fazer dela.

Por exemplo: na opinião do meu vizinho de jantar, poder usar tecnologias digitais é maravilhoso, mas um problema é que, usando somente isso, nossos feitos cognitivos passam a ser etéreos, intangíveis, guardados em nuvens. Em suas pesquisas, ele descobriu que uma das maiores fontes de prazer para nós humanos é construir algo com as mãos. E poucas pessoas ainda fazem isso em seu dia a dia.

Pensei imediatamente em meu prazer recém-descoberto: a jardinagem. Fui menina de apartamento, e agora, morando em Nashville, pela primeira vez tenho um jardim. Num dia de estresse intenso por conta de um problema de saúde, precisando esvaziar a mente e me acalmar, fui comprar tijolos, terra e mudas para começar um canteiro. Três horas e um bocado de suor depois, eu era outra pessoa. Aquela noite, e ao longo dos dias seguintes, fui várias vezes namorar meu novo canteiro, com folhagens roxas e verdes cercadas de suculentas pequeninas.

Em meu trabalho, construo conhecimento que ocasionalmente ganha vida em papel, materializando-se em artigos e livros. Meu jardim, ao contrário, é tangível toda vez que olho pela janela ou coloco meu chapéu e luvas.

Meu companheiro de jantar aprovou. Era Tal Ben-Shahar, autor de best-sellers sobre felicidade e professor do curso mais concorrido que já houve em Harvard, sobre psicologia positiva. Acho que eu passaria no seu curso...


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