Folha de S. Paulo


Quando a emenda é pior que o soneto

Eis uma ideia inusitada: e se o tratamento para doenças neuromusculares for... remover massa muscular?

Acabo de visitar o laboratório de Jeff Lichtman, pesquisador de Harvard e especialista na formação e funcionamento das sinapses superespecializadas entre os neurônios motores da medula espinhal e as fibras musculares que eles controlam.

Cada músculo pode ser formado por milhares ou mesmo milhões dessas fibras, mas cada uma delas tem uma peculiaridade: é controlada por um, e somente um, neurônio motor, que forma uma, e somente uma, sinapse com aquela fibra. Uma sinapse gigantesca, por sinal.

Por outro lado, cada neurônio motor pode controlar mais de uma fibra muscular. Neurônios motores que controlam várias fibras ficam com o corpo da célula enorme, sinal de que precisam fabricar muita proteína para manter tantas sinapses gigantes.

Controlar várias fibras ao mesmo tempo é um esforço para o neurônio e, com a idade, alguns neurônios motores começam a morrer, deixando fibras musculares temporariamente sem controle. Mas não por muito tempo: os neurônios sobreviventes estendem novos ramos, competem pelo controle da fibra, a um deles acaba acrescentando-a ao seu domínio.

Apesar do esforço, essa ampliação do domínio de um neurônio motor no envelhecimento normal não parece ser muito problemática (e exercício e ingestão de menos calorias, as duas receitas comprovadas para aumentar a longevidade, ajudam a manter o sistema saudável).

Mas em doenças como a esclerose lateral amiotrófica, tantos neurônios motores morrem que os que sobrevivem chegam a aumentar seus domínios para até nove vezes mais fibras musculares. No entanto, apenas metade delas são funcionais, com maquinaria sináptica suficiente para provocar contração muscular efetiva. Isto é um sinal de que o número de sinapses ultrapassou o que o neurônio consegue controlar. Resultado: ainda mais neurônios morrem, por causa do esforço. O "jeitinho" dado pelos neurônios restantes sai pior que o soneto, e a doença se agrava.

Donde a ideia inusitada de Lichtman: talvez a maneira de retardar a perda de neurônios seja... eliminar as fibras musculares cujos neurônios morreram. É o contrário do que os pacientes gostariam de ouvir, mas é tão biologicamente razoável que provavelmente vai funcionar.


Endereço da página: