Folha de S. Paulo


Tirando a energia da epilepsia

ei que é estranho pensar assim, mas, de certa forma, nossos pensamentos, ações e emoções são o resultado de padrões muito particulares de pulsos elétricos levados de um lado a outro do cérebro.

Quando estamos acordados, esses pulsos são independentes entre neurônios vizinhos, e constroem padrões que representam o que acontece no corpo, do lado de fora dele, e em outras partes do cérebro: nesse estado, a consciência é possível.

Quando dormimos, grandes populações de neurônios em uma mesma região têm seus pulsos sincronizados, como se estivessem surfando grandes ondas que se propagam pelo cérebro. Nesse estado, não há como neurônios se organizarem independentemente uns dos outros – e, assim, não há como representarem eventos do corpo ou fora dele.

Ocasionalmente, no entanto – e sobretudo quando há predisposição genética que altera a facilidade com que neurônios geram pulsos elétricos –, grupos de neurônios se amotinam no estado acordado e entram em um estado de hiperatividade contagiosa, que se auto-alimenta e se espalha para outros neurônios. É como um grupo de crianças pequenas no qual uma, ao começar a gritar, faz todas as outras gritarem também.

Essa crise de hiperatividade auto-alimentada é a convulsão ou ataque epiléptico, duplamente perigoso. Primeiro, no ato: por sincronizar a atividade de neurônios, ele é incompatível com a manutenção da consciência, o que coloca a pessoa à mercê da sua doença. E segundo, a longo prazo, conforme cada crise torna uma próxima crise mais provável.

O tratamento da epilepsia é tradicionalmente feito com medicamentos que impedem a hiperativação dos neurônios. Mas um estudo da Universidade Okayama, no Japão, aponta para um novo caminho para tratar a epilepsia: modificar o acesso dos neurônios à energia.

O grupo descobriu que o medicamento stiripentol, usado como anticonvulsivante na Europa, age bloqueando a conversão de glicose em lactato, que é fonte usual de energia para neurônios em atividade intensa – como durante uma crise epiléptica. Sem lactato abundante, sustentar uma crise epiléptica parece se tornar energeticamente inviável.

O efeito anticonvulsivante é semelhante ao da adoção de uma dieta cetogênica, pobre em carboidratos, o que dá bons resultados para ao menos alguns pacientes. Talvez seja cedo para considerar a epilepsia outra forma de diabetes, como já fazem alguns – mas aventar a possibilidade de ela ser uma doença metabólica abre novas portas.


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