Folha de S. Paulo


Uma banana para os estereótipos

Não sou a pessoa certa para se perguntar se há discriminação contra mulheres na ciência. Fui criada para ignorar todo e qualquer estereótipo sobre meninos e meninas.

Minha mãe me deu revólver de espoleta para brincar de polícia e bandido, meu pai me ensinou a trocar pneu ainda pré-adolescente. Se me perguntam se mulheres são discriminadas na ciência, respondo que não.

Talvez não seja verdade (e basta olhar a porcentagem mixuruca de mulheres na Academia Brasileira de Ciências para suspeitar, embora não faltem mulheres liderando laboratórios onde eu trabalho), mas um estudo recém-publicado na revista "Science" sugere que meus óculos cor-de-rosa, alimentados pela insistência dos meus pais de que eu poderia ser o que eu bem resolvesse ser, contribuíram para eu querer virar cientista.

O estudo, feito entre 30 disciplinas em várias universidades americanas, mostrou que a porcentagem de mulheres nas diferentes carreiras não tem correlação com o número de horas de trabalho semanais, desempenho nos testes de admissão (aliás, melhor entre mulheres), necessidade de pensamento sistemático ou empático ou quaisquer outras supostas diferenças inatas em habilidades entre homens e mulheres (que já sabemos que não existem).

O problema está nos estereótipos. Há muito menos profissionais mulheres se formando nas áreas em que os próprios professores e estudantes universitários nutrem uma maior crença de que desempenho depende de talento inato e não de esforço –e tais talentos inatos, claro, seriam prerrogativa dos homens, não das mulheres.

Ou seja: são sobretudo os estereótipos contra as mulheres, inevitavelmente internalizados por elas, mudando suas expectativas e a forma do seu cérebro decidir e agir, que as afastam de algumas carreiras.

Aceitar estereótipos está até na pergunta veladamente machista que indaga se a família é uma das causas para haver menos mulheres em algumas profissões.

Até onde sei, crianças continuam sendo filhas de mãe e pai; portanto, supor que cuidar dos filhos é algo que toma tempo apenas das mulheres profissionais, mas não dos homens, é aceitar a premissa estereotipada de que lugar de mulher é em casa.

Desfazer o estrago causado por estereótipos começa por enxergá-los e repudiá-los. Não preciso dar recado para os homens, pois os estereótipos os beneficiam. Então aqui vai: mulheres, deem uma banana para os estereótipos e façam o que vocês bem quiserem!


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