Folha de S. Paulo


O que fazer quando o cachorro fica tenso na hora de cortar as unhas?

Rodrigo Fortes
ilustração da coluna Bichos, de Sílvia Corrêa de 02.jul.2017

Pipa pulou e marcou de cima abaixo uma de minha pernas: três riscos profundos e avermelhados, fruto de suas unhas enormes. Foi assim que nos conhecemos, há dez anos, quando ela foi recolhida da rua por meu ex-marido. Ela já era um cão adulto e, claramente, sem o hábito de ter as unhas cortadas. Começava aí uma verdadeira saga.

Fui buscar o cortador de unhas e deitei no chão a pequena cachorrinha. Imaginei que ficaria quietinha, como os demais membros da minha matilha. Doce ilusão! Quando sentiu a pressão do apetrecho na primeira unha, ela saltou e começou a gritar, como se estivesse sendo violentamente agredida.

Percebemos que o procedimento exigiria uma contenção física real. E, no colo, ainda com ela se debatendo, consegui vencer com algum custo as duas dúzias de dedos.

Foi assim de tempos em tempos, por vários meses, até que nós decidimos buscar estratégias que pudessem ajudar a reduzir aquele sofrimento.

O primeiro passo foi deixar o cortador em um local visível, em vez de guardá-lo na caixa de materiais de higiene (cuja simples manipulação fazia Pipa sair correndo). Ele passou a ficar em uma mesinha, no canto da sala, acessível aos focinhos mais curiosos.

O segundo passo foi pegar Pipa no colo com mais frequência e apenas manipular suas patinhas, sem cortar as unhas. Inicialmente ela se assustava com o simples toque nos membros, o que pouco a pouco foi deixando de ocorrer.

Por fim, nós passamos a ficar com ela nos braços por alguns minutos depois do corte das unhas, para que pudesse relacionar o procedimento a momentos de carinho.

O resultado de todo os esforços foi sensacional. Atualmente, Pipa não foge da garibada e não lembro da última vez que ela chorou por causa disso.

A lição não é nova, mas vale para as unhas, o medo de trovões, os latidos indesejados e quase tudo no universo canino. Para eles, boa parte da vida é condicionamento e reforço positivo.

*

A coluna "Bichos" é publicada todos os domingos na "revista sãopaulo"


Endereço da página:

Links no texto: