Minha irmã mora em uma cidade capixaba onde cães são criados no quintal, muitas vezes sem muros. Dividem com os cavalos o pasto, as ruas de terra, a atenção e os parasitos. Foi nesse ambiente bastante rural que minha sobrinha bateu o pé para adotar uma cachorrinha quase de colo.
Sophie, vira-latinha de lhasa apso, chegou com poucos meses. Exigia cuidados que as pessoas por lá não estão habituadas a dispensar a animais. Mas a adoção fora autorizada sob a condição de que minha sobrinha arcasse com o trabalho.
Alguns meses se passaram até aquele domingo; ao telefone, minha irmã pedia para eu adotar Sophie. Estava exausta das travessuras, dizia, dos xixis fora de lugar e do choro noturno, além das constantes discussões com a filha. A menina, então com sete anos, não estava cumprindo sua parte no combinado.
Ouvi. Disse que receberia Sophie, mas que discordava de sua decisão. Primeiro, pelo óbvio motivo de que a mensagem à criança estava cheia de vícios. Em resumo: comprometa-se com algo, não cumpra a sua parte, e eu resolverei para você.
Ilustração Tiago Elcerdo | ||
Segundo, porque cães precisam de tempo. Não são objetos que meramente passamos adiante quando não se encaixam na nossa expectativa, não gostamos do visual ou do tom que deram à sala. Cães estabelecem vínculos. A separação seria dolorida para Sophie e para a menina. Uma dor, a meu ver, desnecessária.
E mais: eu não a devolveria anos depois, quando elas vissem como a cachorrinha cresceu linda e esperta. Pois, como já dissera, cães não são objetos e estabelecem vínculos.
Sophie nunca embarcou. Isso tudo foi há quatro anos. No período, fotos da família em redes sociais sugeriam que a vida entrara nos eixos.
No final de semana, veio a notícia: ela está prenhe. Decidiram que será mais feliz se tiver companhia e deixaram que cruzasse. Discordo uma vez mais: em região de tantos errantes, bastava adotar mais um.
Mas minha irmã pedia dicas para garantir uma gestação saudável à cachorra, hoje a princesinha da casa. Uma guinada e tanto! Agora, o desafio virá em dose tripla.