Folha de S. Paulo


Vidas sem preço

A retroescavadeira se aproxima. Na pá, em pé, dois homens se equilibram para segurar um potrinho que acaba de ser resgatado do mar de lama que cobriu Bento Rodrigues.

Embora não estivesse atolado, o animal não saiu do lado da mãe, presa pelo barro havia uma semana. Mais pesada, a égua não pôde ser resgatada. Esse tem sido o destino de muitos animais de grande porte.

O drama do distrito de Mariana mobilizou um exército de voluntários. Gente que se enfia na lama e, junto de bombeiros e guardas civis, conduz à terra firme muitos animais domésticos que ficaram para trás.

Ilustração Tiago Elcerdo

Na primeira semana de trabalhos, eles retiraram 120 cães, gatos, porcos, cavalos, patos e galinhas da área atingida e levaram para o curral municipal. Há resgates que levam duas, três, quatro horas. Mas é só a ponta do desastre ambiental.

Além da impossibilidade de salvar animais pesados, alguns cães impedem a aproximação das equipes, por medo ou para manter a guarda do que sobrou de suas casas. A saída tem sido deixar água e comida na chamada "zona quente", até que possam ser removidos.

A intenção é devolvê-los às famílias, o que já acontece nos abrigos improvisados, palcos de reencontros emocionantes. Se isso não for possível, serão colocados para adoção. Até lá, donos e bichos precisam de comida e remédio. Uma busca no Facebook indica caminhos para ajudar.

O problema, no entanto, é ainda maior do que a busca por cães, gatos e cavalos. Há um grupo de bichos cujo resgate é ainda mais difícil. Centenas de peixes, camarões e tartarugas têm morrido asfixiados no rio Doce, apesar dos esforços dos pescadores. Isso sem falar em anfíbios, moluscos e anelídeos que sucumbem aos milhares, silenciosamente, longe de nossas vistas.

Governo, Ibama e Ministério Público dizem que a mineradora Samarco será multada em mais de R$ 1 bilhão pelo estrago. É melhor do que nada, sem dúvida. Mas muito aquém do dano real. Porque há perdas que o dinheiro não paga.


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