Folha de S. Paulo


Muito prazer, dono da Hanna

Dos meus mais de 20 anos de jornalismo, metade passei no Grupo Folha. E durante cerca de sete anos tive o mesmo chefe.

Conhecido por sua rigidez, comanda a redação com a mão forte de quem tem o compromisso de entregar ao leitor a informação inédita, de forma clara e correta. Nunca pestanejou em despachar de sua sala os colegas que tentam justificar o erro injustificável. E, diante de notícias mais quentes, rabisca ele mesmo as páginas do jornal. Criatividade e objetividade. Sim, pode-se conciliá-las.

O tempo passou. A vida mudou. E foi uma grata surpresa encontrar sua mensagem em meu e-mail. O assunto: Hanna, uma pit bull de 13 anos.

Ele contava que percalços familiares o fizeram herdá-la da filha. "Achei que iria apenas dar uma casa à cachorra... Bobinho! Acabei me apaixonando por Hanna, e ela por mim", escreveu. A intenção era submeter Hanna a um check up, pois já era sabido que ela tem hipotireoidismo e um câncer de fígado.

Conheci Hanna há uma semana, em sua nova casa. Chegada há seis meses, tomou conta do pedaço. O corredor já tem uma daquelas terríveis passadeiras emborrachadas, sobre o piso de madeira, para não escorregar. E, no meio da sala, com objetos de decoração vindos de toda a parte, convivem a bola cheia de mordidas e o enorme colchão de Hanna.

Felizmente a pit bull ignora doenças e idade. Lambe o rosto da gente como um filhote. E abana o rabo sem parar, sempre disposta a brincar.

Hanna, sem dúvida, é encantadora. Mas não foi ela quem me comoveu. Ver aquele homem sempre tão rígido afinando a voz para chamá-la, guardando seus exames numa pastinha e disposto a mudar tudo na casa e na vida para garantir o bem-estar da cachorra valeu o domingo de trabalho e muitos dias da semana.

Em uma hora de consulta, Hanna me apresentou alguém que eu não havia descoberto em sete anos de convivência. Alguém que existe longe de cobranças, prazos e a racionalidade que a vida impõe. Definitivamente, eles revelam o melhor de nós.


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