Folha de S. Paulo


100% vira-lata

"Os filhotes mais esperados do ano! Lindos exemplares de shih tzu! Labradores de alto padrão genético!" Basta uma busca na internet, e os anúncios de filhotes à venda se multiplicam, com preços convidativos.

Há poucos dias, um deles oferecia por R$ 700 dois filhotes de yorkshire, raça cujo exemplar chega a custar R$ 3.000. Um dos cães foi comprado por uma família do Rio de Janeiro e começou a passar mal.

No veterinário, a surpresa: o filhote havia sido pintado de preto para parecer um yorkshire. Era, de fato, um vira-lata branco e amarelo. As orelhas foram coladas, e o rabo, quebrado. Tudo para simular o padrão da raça. Mas, sem raça... sem dono. Diante da revelação, a família não quis ficar com o cão.

A história de Thor nos confronta com três desafios: os maus-tratos, a fraude e o abandono. A polícia do Rio tenta identificar o autor da crueldade. Mas, ainda que consiga, o sujeito pagará apenas algumas cestas básicas, pois a revisão da lei de crimes ambientais segue engavetada no Congresso. A esperança é que a fraude ao consumidor faça o criminoso passar pelo menos algumas noites na cadeia. Nada disso, porém, terá punido o abandono.

Ilustração Tiago Elcerdo

Thor já ganhou outra família, mas nos abrigos de qualquer cidade brasileira sobram histórias de supostos poodles abandonados quando o pelo ficou liso, de falsos pinschers despejados quando cresceram demais. Todos comprados com "pedigree".

Há dez anos, com uma câmera escondida, mostrei o comércio de falsos pedigrees numa esquina de São Paulo. Mas o sujeito que me vendeu o papel segue no mesmo lugar, vendendo cães no porta-malas (e provavelmente pedigrees).

Chama a atenção a morosidade da polícia e da Justiça e o pouco caso com que ambas tratam as questões envolvendo os animais. Mas chama ainda mais a atenção o fato de um bicho perder o valor porque se descobriu que ele não tem raça definida. Surpreendente que isso se dê num país de mestiços como nós. Aqui, caros leitores, somos todos vira-latas.


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