Folha de S. Paulo


Vacinado contra o quê?

O homem chegou abraçado ao cachorro. Colocou sobre a mesa uma pilha de papéis. Depois de gastar o salário em exames, recebera o diagnóstico: o cão havia contraído cinomose. Buscava, então, uma segunda opinião.

Ele desenrolou o mascote, um animal de cerca de cinco anos, deixando-me ver as contrações musculares que frequentemente acompanham a doença. Revirei os exames e lá estava o PCR positivo —a detecção do DNA do vírus feita a partir da urina do animal. Sim, Preto tinha cinomose.

Ilustração Tiago Elcerdo

A cinomose é uma doença viral altamente letal. Não há remédio que liquide o vírus. Depois que o animal adoeceu, o que se faz é tentar dar ao organismo condições de combate, numa luta quase sempre desigual.

Voz embargada, o dono contava que Preto nascera em sua casa e sempre fora tratado a pão de ló. Dormia na cama, comia do bom e do melhor, passeava todos os dias. "Por que raios, então, não havia sido vacinado?" O homem se indignou: Preto era vacinado anualmente, na campanha da prefeitura.

Eis uma confusão muitas vezes fatal! Dados da última pesquisa feita pelos fabricantes de produtos para saúde animal mostram que, em todo o país, sete em cada dez cães domiciliados são vacinados. Dito assim, parece um índice razoável. É nessa sensação que reside o problema: cinco desses sete cães receberam apenas a vacina antirrábica, a que Preto tomou e que (em geral) é oferecida de graça.

Para o dono, fica a ideia de que o animal foi vacinado. Mas não é bem assim. Aquela dose só evita a raiva. Ela não protege o bicho contra cinomose e parvovirose, por exemplo. Essa proteção exige uma segunda vacina. E aí, o dono tem que ir a uma clínica e pagar. Não há campanha do governo!

Separado o joio do trigo, o resultado da pesquisa, que parecia até razoável, é na verdade dramático: ela mostra que oito em cada dez cães brasileiros domiciliados NÃO são vacinados contra cinomose, uma doença que mata até 90% dos infectados... como aconteceu com Preto.


Endereço da página: