Folha de S. Paulo


Dr. Google para cães

Milú tem linfoma, digo eu. Mas antes que pudesse tentar qualquer explicação, seu Paulo, dono da
cocker de 14 anos, começou o bombardeio de perguntas.

"Como a senhora sabe? É de grandes ou de pequenas células? Por que ela está anêmica? Qual a melhor quimioterapia?", indagava ele, retirando do bolso um papel cheio de anotações.

Ilustração Tiago Elcerdo

Seu Paulo havia recebido por e-mail o resultado do exame citológico que sugeria o diagnóstico. Desde então, passara horas na internet pesquisando sobre linfoma e trouxera por escrito uma série de perguntas.

A exemplo do que aconteceu com a medicina humana, o doutor Google vem operando uma enorme transformação nos consultórios veterinários. Com raras exceções, os proprietários rejeitam cada vez mais o papel de espectadores e tomam parte nas decisões acerca do tratamento de seus animais.

Entender o diagnóstico é apenas o primeiro passo. Depois, eles vão para casa e voltam à internet atrás de informações sobre os medicamentos, efeitos colaterais e experiências de outros proprietários. No retorno: mais perguntas.

Para quem está do outro lado do balcão, esse novo cliente é um enorme desafio. Exige mais conhecimento, mais argumento, mais tempo de consulta. E, se não se convencer, não vai medicar o animal, colocando por terra qualquer chance de sucesso do tratamento.

Muitos médicos (de gente e de bicho) não gostam de tantas perguntas, porque se sentem questionados em sua competência. Besteira! Para esse, como para a maioria dos embates da vida, sugiro o simples exercício da inversão dos papéis: diante de um diagnóstico de câncer, você não daria uma olhadinha na internet?

Esse é um caminho sem volta. A informação está disponível e as pessoas têm direito a ela, ainda que chegue distorcida e cercada de lixo eletrônico. Nesse mundo sem filtro, cabe ao bom médico, portanto, ajudar o paciente a separar o joio do trigo.


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