Folha de S. Paulo


A lição de Beethoven

Beethoven era meu primeiro paciente naquele dia. O vira-lata, um cachorrão forte e bem alimentado, estava jogado em uma maca. Não conseguia se levantar. A dona, um moça jovem e bem simples, chorava.

Ilustração Tiago Elcerdo

A história era curta: a moça havia encontrado o cachorro deitado ao pé da escada, sem conseguir se firmar nas patas traseiras. Ela tinha quase certeza de que ele havia rolado pelo degraus. Horas depois, no entanto, as patas da frente foram perdendo as forças. Era assim que eu o recebia, 72 horas depois do episódio, encaminhado por um colega.

Lá fui eu, atrás de alguma dica: de onde veio Beethoven, o que come, o que bebe, como estão xixi e cocô? Nada. Comecei a examiná-lo. Em linguagem técnica, o quadro era de tetraparesia flácida não ambulatória. Em outras palavras: as patas se mexiam, mas não tinham forças para manter o animal em estação, o que impedia que ele andasse.

A tetraparesia flácida é um quadro comum a uma série de doenças. A maioria não se pode prevenir. Mas ao menos uma é altamente evitável.

Insisti nas perguntas. E a moça se lembrou de que, na véspera da tal "queda da escada", uma amiga havia trazido um agrado para Beethoven: um bocado de restos de carne, direto do açougue em que ela trabalha. Era a dica que faltava.

Existe por toda a parte uma bactéria chamada Clostridium botulinum. Por si só, ela não é o problema. O risco surge quando a bactéria acha um lugarzinho sem oxigênio, como carcaças e carnes que começam a apodrecer. Aí ela libera uma toxina que, quando ingerida, atrapalha a conversa do sistema nervoso com os músculos. É o botulismo.

Não há muito o que fazer, exceto garantir a alimentação, a hidratação e a excreção de fezes e urina do cão, porque fica tudo prejudicado. A ideia é manter o corpo vivo enquanto ele tenta dar fim à toxina, o que pode demorar até três semanas. Alguns, no entanto, sucumbem à insuficiência respiratória, porque a falta de força atinge também o diafragma.

É uma loteria de vida ou morte. O mais fácil, não há dúvida, é controlar o que o bicho come.


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