Folha de S. Paulo


Sim, eles falam

É um ritual: estaciono e eles começam a latir em um coral ritmado, igual todos os dias. Latem sem ver meu carro, porque paro longe do portão. Certamente, o barulho do motor anuncia minha chegada.

Os latidos são muito semelhantes quando Nenê, minha fiel ajudante, chega para trabalhar. Mas mudam completamente quando o entregador de pizza toca a campainha, um pedestre desavisado caminha mais perto do muro ou quando esquilos pulam entre as árvores.

Para quem os ouve, parece evidente: eles conversam entre si e com os cães da vizinhança. E as características do latido mudam conforme a mensagem que emitem: "Você chegou!", "Cuidado, estranho" e "Bom dia, Nenê!". Será?

Ilustração Tiago Elcerdo

A veterinária Sophia Yan, da Universidade de Davis, na Califórnia, foi atrás das respostas. Ela gravou latidos de dez cães, emitidos em três situações: quando um estranho batia à porta, se eram deixados do lado de fora da casa e quando estavam brincando. Jogou tudo em um computador, que analisou frequência,duração e amplitude dos latidos. E concluiu que há ao menos dois tipos: de incômodo e de alegria.

Na Hungria, cientistas foram além: resolveram checar se os outros cachorros entendiam as mensagens. Eles gravaram quatro sons: dois tipos de latidos (emitidos na presença de um estranho e quando os cães eram amarrados a uma árvore e deixados sozinhos) e dois ruídos, uma furadeira e um refrigerador.

Tocaram os sons para 14 outros cães, monitorando a frequência cardíaca deles, e notaram que ela subia, e bastante, apenas quando eram expostos ao latido de aproximação de estranhos.

Para os pesquisadores, não há dúvida: os cães são capazes de emitir diferentes sons conforme a situação em que se encontram e, mais do que isso, são capazes de perceber diferenças entre os latidos originados em diferentes contextos.

Em resumo: eles falam. Nosso desafio, agora, é compreender as sutis nuances dessa linguagem.


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