Folha de S. Paulo


Paris, Síria

Os terroristas que barbarizaram Paris nesta semana não fizeram aquilo por serem oprimidos e discriminados pela sociedade francesa. Opressão e discriminação são comuns no mundo todo. Fizeram aquilo por serem soldados de uma facção extremista, violenta e relativamente popular do islamismo em guerra pela restauração do califado. Na sexta-feira 13, transportaram a loucura da Síria e do Oriente Médio para Paris.

Mesmo que EUA, Rússia e Europa formem coalizão fenomenal e aniquilem o Estado Islâmico, outro grupo do mesmo tipo o sucederá, como o Estado Islâmico sucedeu a Al Qaeda.

Esses grupos têm origem e sustentação no desarranjo das sociedades árabes, oprimidas há décadas por ditaduras brutais e mesquitas radicais. Em pleno século 21, vivem em estruturas sociais de séculos passados. Retrocedem. Tanto que entre as três maiores potências regionais do Oriente Médio hoje —Turquia, Israel e Irã—-, nenhuma é árabe.

Mas, no terrorismo, avançam. O Estado Islâmico é a Al Qaeda 3.0, nascida para suceder a organização de Bin Laden fazendo uso de toda a experiência jihadista acumulada e de tecnologias mais modernas e poderosas.

Os atentados de Paris seguem a mesma estratégia da Al Qaeda de buscar alvos icônicos e ações espetaculares com máxima letalidade, mas com visão voltada à era da globalização e da comunicação. E o terrorismo é a forma mais brutal de comunicação.

Depois de conquistar e reter grandes cidades e territórios, anunciando o novo califado, o Estado Islâmico ganhou aura de poder e vitória que tornou o apelo jihadista ainda mais forte.

Seus filmes de terror, com pessoas decapitadas, crucificadas, afogadas, esquartejadas e queimadas, ao vivo, são perversa e magistralmente construídos mais para atrair adeptos que amedrontar inimigos.

É uma mensagem de ódio e violência abraçada com assustadora naturalidade em sociedades já brutalizadas e radicalizadas. É comum parentes, amigos e vizinhos de terroristas atrozes dizerem que eles até então pareciam pessoas normais, em lares normais. Este é o ponto.

Atrocidades como a de Paris, por mais abomináveis que sejam, ocorrem com frequência em várias cidades do mundo árabe e islâmico, com pouca consequência a não ser para as suas milhares de vítimas, na casa das centenas de milhares, a enorme maioria delas muçulmana.

Paris pelo menos comoveu o mundo e mobilizou exércitos. Vamos ver por quanto tempo. Será uma batalha que o Estado Islâmico e os jihadistas anseiam. Ao reivindicar a autoria dos ataques em Paris, o grupo fez questão de lembrar a importância da França na para eles eterna batalha entre a Europa cristã e o islã.

Foram os franceses que lideraram as Cruzadas e, séculos mais tarde, contiveram as tropas muçulmanas depois de elas conquistarem a Espanha. Foram os franceses também —agora em nome do laicismo, não mais do cristianismo, uma vez que evoluíram—, que barraram por lei o uso em público do véu islâmico pelas mulheres, um símbolo de opressão de gênero que absurdamente para alguns se tornou símbolo de liberdade.

A guerra contra o Estado Islâmico poderá ser vencida pela aliança russo-ocidental. Mas o que o sustenta, não. Para isso, o Oriente Médio terá de mudar, por dentro. O fracasso da Primavera Árabe mostra como será difícil.
Nessa luta, o resto do mundo tem pouco a fazer de efetivo. Intervenção estrangeira não dá certo, como ficou claro no Iraque. Não intervenção também não, como ficou claro na Síria.

Depois de tanto desaforo, o Ocidente vai erguer barreiras e leis mais duras para se proteger. Quanto aos muçulmanos, de longe as maiores vítimas desse mal, eles só poderão ser salvos por eles mesmos.


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