Folha de S. Paulo


A pátria de togas

O Brasil tem encontro marcado com a Justiça, o que é muito natural num país forjado por injustiças.

Pouco tempo depois do julgamento do mensalão, os senhores e senhoras de toga voltam ao noticiário e ao imaginário brasileiro com o juiz Sérgio Moro, o Tribunal Superior Eleitoral, o Tribunal de Contas da União e o Supremo Tribunal Federal.

Diante da inconsistência do Executivo e do Legislativo, o Judiciário, com seus ordenamentos claros e consequentes, entra na disputa pela condução da maior crise brasileira em décadas.

Dilma Rousseff, com seu jeitão retrô de "apparatchik" do Leste Europeu, despertou o espírito animal do burocrata missionário da esquerda brasileira, que há décadas aguardava a oportunidade de resolver na caneta todas as injustiças do país. Claro que ia dar errado. Mas eis que Dilma despertou também, com seus tantos equívocos e desvios, a outra face da burocracia missionária brasileira —a do agente público seguro e preparado que move as engrenagens do Estado com direitos e deveres expandidos e consolidados pela Constituição de 1988, disposto a fazer a faxina por dentro.

Os ministros do TCU têm nomeação política, mas, diante da tentativa do governo de politizar o julgamento das contas de Dilma, se uniram e bateram unanimemente na tecla de que a preparação dos seus votos foi baseada no trabalho de técnicos competentes e preparados do tribunal.

O mensalão é um marco nessa caminhada. Mesmo tendo a maioria de ministros apontados por governos petistas, o STF, eletrizado pela figura carismática de Joaquim Barbosa e pela pressão popular, condenou cardeais petistas e inaugurou uma nova fase no combate à corrupção no Brasil, que permitiu a Lava Jato. É uma evolução orgânica, propositada, mesmo que tardia e lenta.

Sergio Moro não é um cavaleiro solitário nem surgiu por acaso. Muito pelo contrário. Associações de magistrados e juízes de tribunais superiores têm, com manifestos e sentenças, reiteradamente apoiado o seu trabalho (e o de policiais e procuradores). Os que a Moro se opõem são, em geral, os já condenados ou na fila de julgamento, seus apoiadores, advogados e pareceristas.

É notável que os que protestam em nome da Justiça contra o que denunciam como prisões abusivas nada falam, por exemplo, sobre o caso de Jose Maria Marin, o ex-presidente da CBF que está desde maio preso na Suíça a pedido da Justiça americana e à espera de extradição para os EUA.

O governo já mostrou que, para sobreviver, vai levar tudo o que puder para o tapetão e a qualquer outro lugar. As derrotas acachapantes que sofreu no TSE e no TCU nesta semana são um sinal de que sua vida não será fácil também nessas paragens. Vamos ver como tudo acaba onde tudo acaba, no STF.


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