Folha de S. Paulo


Brasil em desencanto

O PT é um partido dissimulado. Isso até os ainda petistas terão dificuldade em negar. A campanha presidencial de 2014 é um marco na evolução do realismo socialista ao populismo tropicalista. A verdade é um mero detalhe, fora do quadro e do foco.

O PT, afinal, é contra ou a favor do governo Dilma? O PT pode ser a favor do governo e contra o programa econômico do governo? Dilma apoia seu ministro da Fazenda ou o engole a contragosto e a conta-gotas?

Essa ambiguidade cínica e eleitoreira só faz aumentar o custo da recuperação econômica. Para qualquer economista que trabalhe com fatos, o ajuste é inevitável dada a trajetória ameaçadora da dívida pública e a insegurança que ela gera. Como os mercados antecipam os fatos, o taxímetro da irresponsabilidade fiscal está ligado faz tempo, cobrando caro.

Nesse quadro já deprimido, é assustador e deprimente ver a Fundação Perseu Abramo, think tank oficial do PT, lançar um programa contra a crise propondo a mesma receita intervencionista que justamente provocou a crise. E ainda dizer que a crise é produzida pelo único remédio para combatê-la.

Volta a impressão de que o Brasil foi feito para não funcionar. Um país que, diante de tantos problemas, se revela incapaz de organizar respostas mais eficientes que emocionais, mais duradouras que voos da galinha.

Nos intervalos de bonança, nos locupletamos em sonhos recorrentes de grandeza, como se o paraíso estivesse garantido independentemente do que fizermos. Mas não existe Bolsa-país. Nem almoço grátis. Se não somos um Estado falido, somos um Estado a caminho da falência.

Se fôssemos tudo o que imaginamos ser no auge da euforia lulista, Dilma poderia ser só uma pedra do caminho. Mas no meio do caminho tinha uma pedra. Tinha uma pedra no meio do caminho.

Nossa presidente "gauche", pioneira em tantas frentes (primeira mulher, primeira esquerdista, primeira guerrilheira, primeira unicampista), levou o país de volta ao passado numa rapidez fulminante, mostrando que o passado sempre esteve presente.

Voltamos 20 anos em 4. Este é o zeitgeist. Até nossa moeda subiu no telhado. Sentimentos antigos que pareciam sepultados voltam embalados no noticiário político, econômico, social e policial: são os arrastões no Rio de Janeiro, as chacinas em São Paulo, o discurso fossilizado da esquerda, o prêmio de gestão hídrica ao Alckmin, o dólar a nos humilhar, a irresponsabilidade sem culpa de Brasília.

A perda, ao mesmo tempo, da confiança, da estabilidade, do crescimento, do controle da inflação, do grau de investimento e da governabilidade são golpes duríssimos nos pilares de qualquer sociedade.

O Brasil ao menos sabe apanhar. São séculos de golpes. Quando levantarmos, poderemos dizer que sobrevivemos, como sempre dizemos. Até cairmos de novo.


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