Folha de S. Paulo


Vá procurar a sua turma

É preciso ter turma. Ontem a turma dos motoqueiros travou ruas de São Paulo para pedir faixa exclusiva e outras coisas. Os motoqueiros são tão organizados que, apesar de milhares de mortes por ano, barraram lei determinando medidas de segurança para protegê-los no trânsito. Teve também mais um protesto dos taxistas contra o Uber. Eles até espancaram um motorista do serviço neste mês, depois de o presidente do sindicato ter dito "vai ter morte".

Nesses tempos cada vez mais bicudos, São Paulo tornou-se a capital nacional do protesto. Aqui todo mundo tem motivo para chiar, quase sempre com razão.

No protesto de sem-teto e sindicalistas da semana passada, que o governo Dilma fingiu ter sido um protesto em seu apoio, não faltaram pedidos de moradia popular, benefícios trabalhistas e ataques ao ajuste fiscal do governo, que é a parte principal do governo (diga-me como te apoiam que te direi como estás).

Na época do povão, do povo e do povinho nas ruas, é melhor encontrar a sua turma para ser ouvido. Com crise política, Lava Jato e abismo fiscal, governos e políticos perderam ainda mais sua capacidade já precária de arbitrar demandas.

Os gritos das ruas são cada vez mais determinantes. Muito além de PT, PSDB, PMDB etc., as pessoas estão se conectando. A maior das turmas é a turma do saco cheio, que não aguenta mais o fardo pesado de um sistema público ineficiente, incompetente e corrupto.

Apesar do que dizem por aí, é esse o espírito predominante nas grandes manifestações espontâneas contra a corrupção política e o governo, que se apropriam via taxas e tributos de 35% do que se produz no país e devolvem muito menos. É a grande entropia brasileira.

A pauta progressista não é avante esquerda, abaixo a direita ou vice-versa. É melhor serviço público, melhor política, menos corrupção.

Antônio Prata e Samuel Pessoa, têm muito mais em comum do que parece. Querem país mais eficiente, decente e honesto, ou seja, país mais justo e produtivo. As pontas da equação estão mais perto do que o debate inflamado e inflado aponta.

É preciso resistir às mistificações dos que cinicamente querem transformar a crise num duelo direita-esquerda, patrão-trabalhador, rico-pobre. Isso é cortina de fumaça de quem está nu.

Apesar do barulho, as pesquisas mostram pouca polarização na sociedade. As diferentes faixas de renda e regiões do país pensam muito parecido em relação ao governo, à política, à Lava Jato.

A sucessão dos governos Itamar, FHC e Lula, apesar das falhas, teve direção, sentido e muitos avanços. Dilma demoliu a estrada. É exasperante realizar que perdemos já seis anos de desenvolvimento econômico e podemos perder ainda mais. É uma perda irrecuperável e trilionária. Mas juntando a turma é possível abrir um novo caminho. Isso já está acontecendo.


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