Folha de S. Paulo


Imunização nacional

Estamos no meio de uma crise econômica e política e caminhando para uma crise social gerada pelas duas primeiras. O governo parece mais parte do problema do que da solução. O Congresso parece mais parte da solução do que do problema. A única certeza é a incerteza.

A economia brasileira vive a maior crise de confiança desde o Plano Real. O governo rasgou a Lei de Responsabilidade Fiscal e descontrolou a inflação. Trocou os pilares da estabilidade econômica por uma política intervencionista vulgo "desenvolvimentista" que afundou o país, custou anos de desenvolvimento e legou anos de miséria. A depressão é econômica e também intelectual –a recusa do pensamento econômico de esquerda em reconhecer os fatos é chocante.

Na política, Dilma aperfeiçoou sua inabilidade no segundo mandato. Ela não tinha experiência política suficiente ao ser ungida por Lula à Presidência e parece que ganhou experiência negativa depois de quatro anos no poder. Consegue transformar aliados em inimigos; seu partido, em oposição; e a oposição, em oposição raivosa. E não consegue liderar.

Agora a presidente precisa aprovar um ajuste econômico duro e necessário num Congresso arredio, presidido por dois dissidentes da base. O recém-aprovado Orçamento impositivo reduziu a dependência dos parlamentares em relação ao governo num Legislativo de maioria conservadora e pauta divergente –o que relativiza o poder do Planalto em momento crucial.

E ainda tem a Lava Jato, que ninguém sabe onde vai dar política e economicamente.

A população já reprova de forma veemente governantes que acabou de eleger, como mostra o Datafolha, e a irritação vai aumentar com a inflação alta, o desemprego crescente e o aprofundamento dos escândalos de corrupção.

Essa crise 2.0 será alimentada pelas ruas na era das redes sociais, verdadeiras armas de mobilização de massas. Com outro agravante: a "elite" acordou. Não aguenta mais ser vítima de governos corruptos, tributos vorazes, violência desenfreada, serviços públicos indigentes e ainda ser responsabilizada por tudo e acusada de "inimiga do povo" (o "povo" apoia isso?).

Estamos esperando Janot, Levy e o 15 de março. E ninguém virá nos salvar. Só nos mesmos podemos fazê-lo.

O maior teste da democracia brasileira dependerá da força e da resiliência da sociedade civil, de sua capacidade de exigir mudanças, conter os extremistas e lutar pelo bom senso.

Se sobrevivermos à crise tripla e apreendermos lições óbvias, estaremos imunizados por um tempo, prontos para o próximo voo de galinha.


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