Folha de S. Paulo


Se tivéssemos política externa

A Venezuela está em chamas. O socialismo do século 21 não sobreviverá à sua segunda década. Mas não sumirá sem luta. E ela pode ser feia.

Será (ou seria) uma grande oportunidade para o Brasil exercer liderança regional com projeção global. As relações dos governos petistas com os governos chavistas sempre foram carnais. Isso nos dá posição única no mundo de influenciar os companheiros bolivarianos e evitar guerra civil ou ainda mais autoritarismo.

O problema é que a diplomacia brasileira sob o petismo ganhou em estridência o que perdeu em eficiência. Ideologia prevalece sobre resultado. Negócios prevalecem sobre estratégia. Enquanto o mundo se reordena em acordos comerciais, ficamos contidos no Mercosul com Venezuela em chamas, Argentina em crise — e o Paraguai e o Uruguai.

Seguimos inocentemente o marketing do Goldman Sachs, que forjou o termo Bric para empacotar seus produtos de investimento nos países citados, e formalizamos uma entidade política anódina com Rússia, Índia, China e África do Sul, embora não exista pauta consistente que nos una.

Anunciamos estratégia de segurança com a França para depois comprarmos caças da Suécia. Investimentos politicamente no mundo árabe e na teocracia iraniana, mas depois nos afastamos. Brigamos com os Estados Unidos e nos tornamos reserva de energia e proteína da China. E entramos no ramo de sustentar a ditadura cubana. É um saldo pequeno, quase um déficit, dos 12 anos de PT na política externa.

Mas o (fim do) chavismo é uma grande chance para a diplomacia brasileira. Se encontrar tempo entre suas tantas campanhas, Lula deveria se oferecer como mediador, voar para Caracas, acalmar o presidente Maduro e a insustentável liderança chavista sem Chávez. Que, como previsto, é incapaz de governar. Mas parece capaz de levar o país ao caos. Falta de dólares a papel higiênico no país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo.

Chávez estava sentado nessas reservas quando o preço do petróleo explodiu. Foi fácil distribuir renda e usar a popularidade consequente para fechar o regime via voto e truculência, como outros movimentos fascistas fizeram. Mas sua morte foi, obviamente, fatal para o chavismo.

Sobrou um país dividido e em pé de guerra. Uma grande chance de liderança internacional para o Brasil, se tivéssemos política externa.


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