Folha de S. Paulo


#VaiDilma

A crise de espionagem entre Brasil e EUA ganha dinâmica perigosa e fica vulnerável a um jornalista americano, justiceiro e vingativo, num momento importante das relações internacionais do país.

Presidida pelo PC do B (aquele partido comunista-governista que outro dia declarou "total, irrestrito e absoluto apoio" à Coreia do Norte), já temos até uma CPI pedindo acesso a todos os documentos sigilosos dos EUA e planos de proteção policial ao jornalista Glenn Greenwald, que teve o namorado brasileiro detido em Londres por algumas horas.

Um circo, no qual Dilma ameaça tocar fogo caso cumpra a ameaça de cancelar a visita de gala em outubro à Casa Branca diante da injustificável espionagem americana.

Se a presidente pensasse fora da caixa (ou da lona), veria que o único antídoto para o saldo zero de sua política externa até aqui é o fortalecimento das relações com os EUA, um movimento que ela própria sabiamente chegou a esboçar.

Como o artigo/carta a Dilma escrito por Julia Sweig nesta Folha coloca singelamente, seria grande o impacto da imagem de Dilma e Obama jantando juntos na Casa Branca, passeando pelo Rose Garden com Michelle, usando a primeira visita de Estado do Brasil aos EUA em muitos anos como oportunidade de resolver uma crise e avançar de forma histórica no relacionamento bilateral.

Seria um marco, uma marca. É a grande chance de Dilma no cenário global, sua inovação, seu legado.

Dilma não fez nada em política externa até agora. Ela desfez algumas coisas, que é uma forma de fazer, mas o legado até aqui é nada. Ou quase. O que pode até ser avanço diante do ativismo equivocado que a precedeu.

Com Lula e seu hiperativo chanceler Celso Amorim, o iconoclasta da Embafilme, o Barretão do Itamaraty, nossa política externa ganhou voz, ancorada pela ascensão econômica do Brasil (e dos outros emergentes). O velho esquerdismo terceiro-mundista foi reenergizado pelo carisma folclórico de Lula, o sindicalista barbudo dos trópicos tornado líder nacional e mundial, nosso Vaclav Havel, nosso Lech Walesa que deu certo.

Tudo isso contaminado pela ambição intensa de Amorim e a sombra do assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, cargo criado por Lula, uma polaridade bem-vinda com o Itamaraty, não fosse seu único titular o petista Marco Aurélio Garcia, eterno representante da antepenúltima via.

Vá para Washington, Dilma. Seus marqueteiros sabem que o país que nós brasileiros amamos e amamos odiar no caso de alguns são os Estados Unidos.

É com eles que devemos nos comparar, com todo respeito a Bolívia, Venezuela e Argentina.

Dizem que Chico Buarque disse ter ficado feliz pelo Brasil hoje falar grosso com os EUA e fino com a Bolívia. Isso pode parecer legal numa música setentista do grande compositor, mas não faz o menor sentido hoje em nossa política externa.

Vai, Dilma, vai.


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