Folha de S. Paulo


Mega-undergrounds

Anteontem não consegui ir à rua, embora o pau tenha comido bem perto de casa, subindo a avenida Rebouças para a Avenida Paulista. Instigado pelo barulho constante dos helicópteros, fui ver o que estava acontecendo no Mídia Ninja (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação), o coletivo de novos jornalistas que cobre a linha de frente das manifestações em tempo real e liberta de formalismos.

Além de bom entretenimento, é bom ângulo para entender o que está acontecendo, principalmente pelo fluxo intermitente de comentários ao lado da transmissão ao vivo. Além de engraçados, são uma janela para entender a situação.

Tudo o que é exibido e falado no streaming do Ninja recebe imediatamente respostas feéricas no twitter que corre ao lado, com gente do Brasil todo defendendo as mais diferentes posições.

Anteontem à noite, na falta de ação na linha que separava a tropa de choque dos manifestantes que queriam chegar à delegacia de Pinheiros para libertar outros manifestantes, os assuntos do Ninja eram os mais variados, com certa insistência em denunciar Pablo Capilé e sua organização Fora do Eixo por ligações com o PT, expostas pelo presidente do partido, Rui Falcão.

E falar em partido ali é como falar do diabo.

Os políticos que se preparem, porque os jovens que estão protestando, ao contrário do que dizem alguns, nunca tiveram tanto interesse e força na política, até para destruí-la, no caso da minoria anarquista.

Desde os distúrbios na Inglaterra em agosto de 2001, chamados de "BlackBerry Riots", ficou claro que as novas tecnologias são armas acessíveis de alta potência capaz de mexer na balança de poder nas cidades.

Os distúrbios ingleses ganharam esse nome porque era pela rede de mensagens instantâneas dos celulares BlackBerry, gratuita e muito popular na época em Londres, que tudo era organizado rapidamente. Os inocentes "flash mobs" evoluíram para "flash riots" depois de um episódio de violência policial. Revoltados e furiosos, os jovens dos bairros pobres de Londres escolhiam alvos, se concentravam e dispersavam com a rapidez de um click.

Bill Wasik, editor da revista "Wired" e autoproclamado criador do termo "flash mob", escreveu que viu nas revoltas e distúrbios de 2011 a emergência de mega-undergrounds: grandes grupos de pessoas com ideias e atitudes semelhantes, mas pouco reconhecidas ou representadas na grande mídia e na sociedade em geral, que pelas novas tecnologias passaram a se conectar. E a agir.

É o que se pode dizer das levas de jovens nas ruas nas últimas semanas. Não são as massas de junho (mega-mega-undergrounds?), mas são fortes, causam estragos e mantêm vivo o fogo da revolta.

E ainda mostram o caminho das pedras para todos os mega-undergrounds brasileiros que por séculos aguentaram tudo isso calados.


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