Folha de S. Paulo


Procura-se um discurso

Entre tantas novas dúvidas, uma coisa podemos dizer com segurança: o governo vai ter que arranjar outro discurso. O ufanismo petista de que o Brasil estava muito bem obrigado não cola mais.

O governo já mudou, e de todo poderoso e sempre certo agora articula o discurso das dificuldades.
É uma postura mais realista, mas que destoa da louvação intermitente dos dez anos de governo PT, quando o Brasil foi refundado, tornou-se mais igualitário e próspero, mais democrático, mais forte internacionalmente, uma potência econômica num novo estágio, irreversível, de desenvolvimento, tão capaz quanto qualquer país do mundo de... Quase acreditamos.

Mas primeiro veio o choque de realidade da economia, onde não tem almoço grátis. Quando o Brasil era ainda queridinho global, nossos dirigentes fizeram de tudo para repudiar e atacar o mercado, os investidores internacionais e nacionais, as grandes economias ocidentais. Não é que conseguiram assustar todo mundo?

Apesar de ter assumido a Presidência com o país crescendo acima de 7%, Dilma trocou a visão e a condução econômica de Lula, e a economia travou num lugar muito ruim: inflação alta e crescimento baixo, insegurança dos investidores, deterioração da capacidade de exportar. (Aliás, outra lição clara dessa crise é que, no país onde a inflação é retratada como um dragão, não se deve relaxar com os preços.)

A reboque da economia, veio a realidade política. Diante do mal-estar econômico e da volta de antigas incertezas, a (antiga) classe média foi à rua e derrubou a popularidade do governo. Sua pauta, contra a corrupção epidêmica e por um Estado mais eficiente, é universal no Brasil e não tem como o governo se esquivar desse bombardeio.

Pouco antes de eclodirem os protestos, um dos ministros mais importantes do governo se sentia capaz de minimizar até a importância do Pibinho magro entregue por Dilma e equipe: PIB paro o povo é salário e emprego, disse, confiante que a manutenção dos recordes de renda e emprego da população garantiriam a aprovação recorde da presidente para sempre.

Mas agora essa confiança foi pelo ralo. A pesquisa Datafolha instaurou o pânico em Brasília. As incertezas econômicas globais e nacionais e as incertezas políticas no Brasil reforçam-se mutuamente.
Contra a pauta da corrupção o governo tem dificuldade de organizar um discurso coerente dada a sua base política ecumênica, o julgamento do Mensalão, as denúncias e os escândalos em cascata...

Os estrategistas petistas, que, pelos resultados eleitorais dos últimos dez anos são os melhores do país, estão quebrando a cabeça atrás de uma nova plataforma, agora que perderam o chão.

A ver no que vai dar. Mas um pouco de humildade nunca fez mal.

O PT não pode mais dizer que estamos todos tão bem por causa dos bem-feitos do partido. Não estamos tão bem assim, afinal. Muito pelo contrário.


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