Folha de S. Paulo


Coração das trevas

Sabe da última atrocidade da guerra civil síria? É difícil acompanhar, tamanha intensidade. Nesta semana teve o vídeo grotesco, para dizer o mínimo, de um combatente rebelde cortando e mordendo o que seria o coração de um militar do Exército do ditador Bashar al Assad. E também os relatos embrulha-estômago do massacre de dezenas de famílias sunitas por tropas governistas, incluindo muitas mulheres e crianças, mortas abraçadas, na Província de Tartus.

Embora a ditadura síria tenha barrado a entrada da mídia independente no país, a videosfera está carregada de imagens chocantes de crianças queimadas, corpos mutilados, evidências de uso de armas químicas. É o horror.

Um horror parecido como o que vemos na recrudescida guerra civil do Iraque após a desastrada ocupação americana, ou na sanguinária guerrilha islâmica da Nigéria, ou na "normalidade" dos suicidas do Paquistão e do Afeganistão que matam centenas por mês em escolas, funerais, hospitais, restaurantes. Ou, numa escala muito menor, mas não menos horripilante, o recente atentado da maratona de Boston.

Independentemente de suas circunstâncias, o extremismo islâmico e as disfunções políticas, sociais e econômicas do mundo árabe são o fio condutor desse rastro de sangue. E apesar de toda retórica antiocidental, a imensa maioria das vítimas desse terrorismo é composta de muçulmanos. Combatê-lo beneficiará, sobretudo, o mundo islâmico.

Mas o silêncio em relação a essa chaga planetária é ensurdecedor. Quando ocorrem atentados grotescos na Europa ou nos EUA cometidos por jovens extremistas islâmicos, a tendência de muitos é tentar justificar o horror na linha de que os jovens terroristas são na verdade vítimas de sociedades preconceituosas incapazes de absorvê-los.

A explicação obviamente é outra. Estes jovens desiludidos, como tantos outros que preferem não explodir a si e a quem estiver por perto, são cooptados por uma rede sinistra de glorificação da morte e do terror, sustentada por centros reais e virtuais de treinamento, desculpe a palavra, terrorista.

O mesmo espírito que moveu os terroristas em Boston move os confrontos entre rebeldes e governistas na Síria. O jihadismo tornou-se uma indústria global. Bilhões de dólares o sustenta. Bin Laden foi seu maior garoto propaganda, mas o movimento é muito maior do que ele.

Que combatê-lo não seja prioridade global e, mais ainda, prioridade dos próprios muçulmanos, é um sinal desanimador. Como escreveu William Butler Yeats: "Aos melhores falta convicção, enquanto os piores estão cheios de apaixonada intensidade."


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