Folha de S. Paulo


Da religião à política, a palavra 'voto' é sempre carregada de esperança

Diego Herculano 26.set.2016/Folhapress
Informática 07.08.2017 - Urna eletrônica utilizada em votações no Brasil. (Foto: Diego Herculano 26.09.2016/Folhapress)
Urna eletrônica utilizada em votações no Brasil

Votos de bons votos para todos os brasileiros em 2018.

A frase acima expressa dois desejos. Um é evidente: o de que as eleições de outubro reponham nos trilhos um país descarrilado, embora esse futuro pareça improvável visto daqui. O outro, nem tanto.

O segundo desejo adentra o temerário (para qualquer cronista) terreno da metalinguagem: chamar a atenção para duas das acepções que a palavra "voto", vinda do latim "votum", carrega por aí.

A aposta é que, mais do que curiosidade etimológica, o que liga os votos ao voto tenha valor cívico. Estamos precisando disso.

Os votos de feliz ano novo que abundam esta semana estão mais próximos do sentido original da palavra do que os que se contam nas urnas.

Expressando um desejo, fazem ligação direta com um termo latino que, sendo derivado do verbo "vovere" (prometer), falava do empenho para a obtenção de uma graça.

O voto era, na origem, a moeda principal no comércio entre terra e céu. Quem fazia um voto suplicava a Deus ou aos deuses, desejava ardentemente algo, e para reforçar seu desejo prometia, fazia uma oferenda em troca do benefício.

"Devoção" é um termo da mesma família. O ex-voto (que significa "em decorrência de voto") típico do catolicismo tradicional, mas que ainda pode ser encontrado em muitas igrejas, é um objeto que representa de forma literal a graça pretendida ou alcançada –muitas vezes um pedaço do corpo para o qual se pede ou se agradece a cura de uma enfermidade.

O voto como empenho e promessa feita à divindade está vivo na língua em expressões como "voto de castidade", "voto de pobreza" e "votos matrimoniais". As velas votivas o adjetivam.

No entanto, faz meio milênio que esse substantivo carregado de religiosidade, espalhado por diversas línguas modernas pelo latim eclesiástico, foi passear fora da igreja e se plantou no vocabulário político de modo triunfante.

Consta que a expansão de sentido que tornou o voto sinônimo de sufrágio –ato já mundano e sem fumaça de intercâmbio com a esfera celeste– surgiu primeiro na língua inglesa e de lá se disseminou. O francês só viria a adotar tal acepção no início do século 18. O português, em data incerta.

Do voto em seu sentido político, base do processo democrático, surgiram frutos vocabulares como "votação" e "votante", praticamente equivalentes a "eleição" e "eleitor".

É curioso notar que estes vocábulos surgiram bem antes, apresentando já no latim clássico, como "electionis" e "electoris", sentidos próximos dos que carregam hoje.

No caso do substantivo "eleição", que significa simplesmente escolha, o mais surpreendente é seu parentesco etimológico com a palavra "elegância".

Tendo as eleições se tornado –não só no Brasil, mas aqui também, e como!– espetáculos do pior tipo de baixaria, parece piada. Não é: "elegantis" era o que tinha bom gosto para escolher.

Sendo assim, faço votos de bons votos e eleições elegantes para todos nós em 2018. A hora de sonhar é esta.

*

Agradeço aos leitores a inestimável companhia ao longo deste ano e aviso que estou saindo de férias. Voltamos a nos encontrar aqui no dia 1º de fevereiro. Até breve!


Endereço da página: