Folha de S. Paulo


Leitores 'inputam' ótimos exemplos de tradução preguiçosa do inglês

SXC

Quando mencionei duas semanas atrás as "traduções macunaímicas", aquelas que têm muita preguiça e nenhum caráter, abri uma porteira.

Leitores me enviaram seus exemplos preferidos de expressões copiadas do inglês, especialmente do inglês americano, que fazem muita gente soar como atores gringos mal dublados.

Antes dos pratos principais, uma entrada importante: a xenofobia sempre foi má conselheira. Afiar o espírito crítico para identificar modismos bobos, filhos da ignorância e até do desapreço por nossa língua e nossa cultura, não significa abraçar os puristas.

Quando era o francês que nos bombardeava com palavras e construções, há um século ou mais, a militância purista fazia campanha para que, por exemplo, o francesismo "engajado" fosse substituído por "aferrado".

Ferrou-se, como se viu. O engajamento em causas desse tipo é furado porque toda língua é impura, indomável e amoral. Se um número suficiente de brasileiros adotar o verbo "realizar" com o sentido de "perceber, dar-se conta de", acabará por consagrá-lo. Já estamos quase lá.

O que ocorre nesses casos é parecido com a acumulação de fortunas por velhos facínoras: em duas gerações os crimes prescrevem, em três ninguém se lembra mais de crime nenhum, em quatro temos uma dinastia de aristocratas impolutos.

Eu não gosto do "realizar" anglófilo, mas sei que o surgimento de acepções novas para velhas palavras por influência estrangeira, fenômeno banal e incontrolável, é um dos flancos em que as traduções macunaímicas têm mais facilidade para penetrar na corrente principal da língua.

O nome disso é falso amigo -enquanto é tratado como erro de tradução. Depois que o erro começa a ser absorvido, prefere que o chamem de estrangeirismo semântico. Enquadra-se aí a maior parte das contribuições dos leitores.

Listo as principais, com a tradução preferível e o original inglês entre parênteses: "planta" (fábrica, "plant"), "painel" (congresso, "panel"), "assumir" (supor, "to assume"), "eventualmente" (finalmente ou mais tarde, "eventually"), "escopo" (abrangência, "scope"), "inalar" (inspirar, "inhale"), "exalar" (expirar, "exhale").

Categoria mais selvagem é a dos neologismos que são decalques grosseiros do inglês, às vezes feitos até de forma gozadora. Estão nesse grupo muitos verbos vindos no fluxo migratório da tecnologia.

Alguns deles: "estartar" (iniciar, "to start"), "frizar" (congelar, "to freeze"), "popular" (preencher, "to populate") e o ortograficamente defeituoso "inputar" (inserir, "to input"). Com graus variados de sucesso, todos lutam para repetir a feliz história de assimilação de "deletar".

No grau mais alto da patetice ficam as versões literais de expressões idiomáticas e construções tipicamente anglófonas. "At the end of the day" significa "no fim das contas" e não "no fim do dia" (registre-se que até na fala americana é um clichê cansado). "State of the art" quer dizer "o estágio mais desenvolvido" e não "estado da arte". "Take your time" deve ser traduzido por "não tenha pressa" em vez de "tome seu tempo".

É verdade que ainda não ouvi ninguém pedir "um casal de minutos" ("a couple of minutes") quando quer ganhar um tempinho, mas talvez seja questão de... tempo, pois é. Quem sabe nada além de um casal de minutos.


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